O bom exemplo que vem da Suécia no combate à Covid-19

2020 está assistindo a um evento inédito na história das gerações vivas: uma pandemia de proporções inimagináveis (para a imensa maioria das pessoas).

Para lidar com uma situação tão extrema, os países têm adotado estratégias diferentes e, numa época de polarização de opiniões, temos a tendência de classificar essas táticas de forma simplificada e também polarizada: certo e errado. É fato que somente a história poderá dar o seu veredito final sobre isso, ainda que o conceito de certo e errado sejam também uma escolha moral que depende de uma cultura e sociedade. Esta é realmente uma questão que se impõe: quais serão os indicadores-chave para aferir o sucesso de uma estratégia de enfrentamento à Covid-19?

Uma estratégia em especial tem chamado a atenção: o caso da Suécia.

A Suécia é um país com um dos maiores IDHs e nível de desenvolvimento no geral. Um país reconhecido pelas boas práticas de cidadania e qualidade de vida.

O espanto se dá pelo não alinhamento da Suécia ao mainstream ocidental e, por que não dizer, global, de não impor à grande parte da sociedade medidas de isolamento social. Até o momento em que escrevo, a quantidade de mortos pela doença no país é três vezes maior que a de Portugal, nação com número de habitantes semelhante, mas que adotou bem cedo a estratégia de amplo isolamento.

A diferença deste caso para outros países que rechaçaram o isolamento, no entanto, é que, pelo que chega ao mundo pelas notícias, a sociedade sueca parece estar de acordo com este caminho, o que se reflete nas pesquisas de confiança no governo e na gestão da crise, que mantém-se em alta.

O que está por trás desse comportamento tão divergente?

Neste texto trago algumas reflexões a partir de diferentes abordagens. Convidei o amigo Tadeu Kobna, brasileiro residente na Suécia há 5 anos, para trazer a visão de quem está vivendo essa situação de dentro.


O que nos faz adultos?

Será simplesmente um conceito ligado à idade? 

Para ampliarmos o nosso entendimento, vou trazer duas abordagens sobre esse “arquétipo”: o conceito de “funcionamento otimizado” e a “análise transacional”.

Segundo Will Meek (Overfunctioning & Underfunctioning – Washington State University), o funcionamento otimizado pode ser definido como a habilidade de funcionar “bem” no dia a dia. Entre outros aspectos que vamos descrever, inclui a capacidade de cuidar de si mesmo e de sua própria rotina. Uma boa definição para ser adulto, não é?

Segundo esta abordagem, podemos observar o funcionamento de uma pessoa por meio de sete dimensões: 


  1. Autonomia: fazer o que é esperado para uma pessoa em determinada idade ou função. O ser humano demora muit tempo para se tornar autônomo, diferentemente de outros animais. Mesmo assim é esperado um determinado nível de autonomia para cada idade. Não se espera que um bebê amarre seus sapatos, mas uma criança de 10 anos tem que ser capaz de fazê-lo. Tudo isso baseia-se num conceito de normalidade que é estatístico. A curva normal indica que a maior parte das observações de um evento se encontram em torno de um resultado. Isso não quer dizer que algo é bom ou ruim, certo ou errado. Apenas que é costumeiro. Quando algo é fora do costumeiro, para mais ou menos, chama a nossa atenção para entender o que acontece. Depois de uma certa idade, quando nos tornamos “adultos”, o fator idade deixa de ter tanta importância e a autonomia se mostra na nossa capacidade de realizar algumas funções, no trabalho, em casa, nos relacionamentos etc.
  2. Responsabilidade: assumir a responsabilidade pelas próprias decisões e ações, sem imputar a outras pessoas.
  3. Tomada de decisão: capacidade de tomar decisões por critério pessoal. Não deixar que outras pessoas tomem a decisão por si.
  4. Resolução de problemas: face aos obstáculos, a capacidade de analisar a situação, entender os recursos disponíveis e riscos envolvidos, elaborar uma estratégia de ação e agir.
  5. Gestão de tempo: fazer as escolhas de como administrar seu tempo, não deixando aos outros a determinação do que fazer com esse recurso único e fundamental que possuímos.
  6. Gestão de stress: frente a situações que geram stress, saber retornar ao estado de equilíbrio (resiliência).
  7. Vivenciar personas adequadamente: para cada situação devemos utilizar uma persona adequada. Não é possível ser pai dos funcionários, nem chefe dos filhos.

Essas sete dimensões nos dão um “guia” para apurar em que grau uma pessoa está em funcionamento otimizado. Basta dar uma nota de 0 a 10 a cada fator e teremos uma ideia de quanto uma pessoa é “adulta”.

Já a análise transacional de Eric Berne nos fala sobre “estados de ego”. Esta abordagem mostra que o nosso ego, essa persona que construímos para lidar com o mundo que nos cerca, “passeia” várias vezes por dia por “estados de ego” diferentes: de pai, de adulto e de criança.


O que podemos falar resumidamente sobre estes três estados?

O estado de ego pai, que pode ser autoritário ou protetor, mostra-se principalmente quando estamos lidando com pessoas que, pelo menos aparentemente, entendemos serem “menores” do que nós: filhos, funcionários, empregados, atendentes de serviços em geral. A forma como nos dirigimos e nos relacionamentos com estas pessoas pode se revestir de uma característica protetora ou autoritária, que reflete a forma como aprendemos sobre essas relações com as figuras de autoridade da nossa infância: pais, professores, cuidadores etc.

Já o estado de ego criança aparece frequentemente quando enfrentamos uma situação fora das nossas expectativas. E se mostra como criança rebelde, criança submissa ou uma criança livre, curiosa e aprendiz. De novo, a forma como lidamos com as frustrações refletem as nossas experiências enquanto crianças.

E como será que se comporta o estado de ego adulto? Bem, o adulto é adulto e só, sem nenhum outro complemento. O adulto é aquele que, frente a uma situação da realidade objetiva, é capaz de filtrar as mensagens enviadas pelo estado de ego pai e estado de ego criança, limpar essas interferências e agir de forma consciente e presente frente à situação – alinhado às 7 dimensões da abordagem de Meek, podemos acrescentar. 

Alcançar o estado de ego adulto é um exercício de observação, determinação e decisão constantes. O verdadeiro processo de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal.

Unindo essas duas abordagens, do funcionamento otimizado e da análise transacional, o que podemos pensar sobre como estamos agindo frente à pandemia, individualmente e como nações?


O contrato social e as liberdades individuais

O que está em jogo nas diferentes estratégias abordadas pelas diferentes nações no enfrentamento à pandemia?

Remonto à ideia de “contrato social”, conforme concebido por Hobbes e Locke no século XVII. Embora as duas abordagens tenham seus pontos de divergência, eles trouxeram no geral a ideia de que, enquanto indivíduos, abrimos mão de fazer justiça com as próprias mãos (o “cada um por si”), transferindo ao Estado essas ações em troca de proteção contra a “morte violenta”. 

Esse pensamento é embrionário para  o nascimento dos Estados Nacionais, que encerraram o longo ciclo das monarquias absolutistas, processo que se consolidou no século XIX.

Um contrato reza sobre direitos e deveres. É uma manifestação de vontade entre as partes.

A troca de liberdades por proteção é algo muito antigo. A organização feudal, com suas relações de suserania e vassalagem, é um exemplo dessa prática, que é ainda muito mais antiga do que isso.

Nesse mesmo contexto medieval,, a Carta Magna de 1215, estabelece um regramento do que podia ou não podia o governo, assinada depois do Rei João da Inglaterra ter violado um número de leis antigas e costumes pelos quais Inglaterra tinha sido governada.

O artigo 5º da Constituição Brasileira descreve as liberdades fundamentais do cidadão, que o Estado tem que respeitar. Os deveres do Estado também estão na Constituição. É o grande contrato nacional. 

O estado de sítio, de emergência, de calamidade, de guerra, são todos estados de exceção que o governo pode declarar, dentro dos ritos formais, que, de alguma forma, restringem direitos fundamentais do cidadão em prol de uma situação extrema, visando o bem comum.

Para dar uma dimensão, a pena de morte – que não existe no ordenamento jurídico brasileiro – é permitida em estado de guerra. 

As medidas encontradas pela maior parte das nações do mundo para o combate à pandemia passa por uma série de restrições de liberdades fundamentais, visando o bem maior. Mas no geral, internamente aos países, não há consenso na população sobre se as restrições são devidas. Existem grupos pró e contra toda estratégia, cada um alegando suas razões. 

Cabe aqui uma nota de que, no Brasil, a questão é ainda mais crítica porque não existe um consenso entre as diferentes esferas de governo (federal, estadual e municipal) e o país é muito extenso e diverso. Em Portugal, onde existe um alinhamento grande entre as esferas, além de sintonia na maior parte dos aspectos entre situação e oposição, as coisas fluem muito mais facilmente. 

Vários países que sofreram muitas mortes em função da situação e tiveram grandes restrições às suas liberdades, no momento em que a situação aparentemente começa a estar sob controle, começam a ver protestos para que as liberdades sejam restauradas mais rapidamente. Existe mesmo um receio, não sem razão, de que uma nova normalidade com menos direitos seja justificada desta forma. 

Como então todas essas questões aparecem no caso único do país escandinavo que é tema deste texto?


Uma visão de quem mora na Suécia

Eu, Tadeu Kobna, músico e produtor cultural, brasileiro residente na Suécia há quase 5 anos, tentarei relatar um pouco da experiência que estou vivendo aqui na Escandinávia durante estes tempos de Corona.

Acredito ser necessário descrever um pouco da minha rotina e não generalizar, pois minhas atividades são bem diferentes das do cidadão que trabalha com horários fixos ou mesmo no fronte essencial ou secundário de serviços.

Eu trabalho no setor cultural e este foi o primeiro a ser suspenso; produção de eventos de médio e grande porte, concertos e festivais foram todos cancelados até segunda ordem. Inicialmente aqui na Suécia não havia número limite para reuniões de pessoas. Só no final de março o governo anunciou a limitação, que até agora não permite aglomerações de mais de 50 pessoas, seguido de distanciamento social.

Para citar um exemplo significativo, o Valborg, evento que reúne centena de milhares de jovens que é uma das maiores tradições daqui,  teve um destino curioso este ano. Em Gotemburgo, as autoridades recorreram a uma estratégia no mínimo hilária ao perceber que os preparativos para a festa estavam ocorrendo “disfarçadamente”. O serviço que cuida dos parques foi acionado e um dia antes do encontro a administração do parque borrifou esterco de galinha nos gramados onde as aglomerações aconteceriam. Ninguém se arriscou a acampar ou mesmo se sentar no gramado para tomar uma cervejinha.

Escolas para crianças de 12 anos continuam abertas, minha esposa (que é sueca) continua trabalhando, os ambientes que ainda frequento estão todos de uma forma ou de outra atendendo às sugestões de distanciamento. Mas não há lockdown formal, proibição ou ameaças de multa. Enfim, ao meu ver, o cidadão sueco (e eu diria nórdico) já tem uma predisposição ao distanciamento).

Devo confessar que, aos olhos de um brasileiro, a relação entre governo e população comum ainda me soa um pouco surreal. O governo confia no bom senso das pessoas e os suecos confiam nas decisões do governo. Neste caso específico (eu normalmente não acompanho política local), posso dizer que parte da confiança no Ministério da Saúde e suas decisões vem do fato de que a equipe é formada por médicos e pesquisadores com larga experiência teórica e prática em casos de epidemiologia pela África, Oriente Médio e Ásia. Depois de ler o CV do Dr. Tagnell (epidemiologista estatal da agência de saúde pública sueca), até eu fiquei mais tranquilo. Se os resultados serão melhores ou piores do que os de outros países, ainda não sabemos. O que consigo acompanhar no momento, por meio de amigos que estão vivendo esta experiência em diversos locais do globo, é que existe uma tensão e angústia em torno do desconfinamento, e isto acho que não sofreremos na Suécia.

Aqui eu não noto falta de materiais de higiene, local público disponibiliza álcool em gel e luvas de borracha, e algumas pessoas fazem uso de máscaras – eu diria uns 20%. Ontem mesmo fiz uso de transporte público e achei interessante que os ônibus estão circulando com as portas da frente fechadas e não cobrando pelo serviço (o objetivo é evitar o contato do passageiro com o motorista). Já no metrô o movimento caiu uns 70%.

Gostaria de dizer que já passei por um processo que me obrigou a me “reinventar” quando, no início de 2000, vi a indústria na qual eu concentrava 100% das minhas atividades, a fonográfica, se esfacelar diante dos meus olhos. Hoje, durante essa pandemia, eu vejo milhares de indústrias entrarem em “processo de transformação forçada”, só que com a complicação adicional que é a disrupção pandêmica. Ainda não sei como a Suécia vai se sair desse teste, o que posso dizer é que aqui a tecnologia está avançando 5 anos em cinco meses. O processo de tecnificação que se instala a fim de substituir várias atividades é incrível. 


Conclusão

Fui professora da disciplina de Gestão de Riscos Corporativos no MBA em Gestão da Segurança Empresarial oferecido pelo Prof. Dr. Antônio Brasiliano e gestora de riscos da Tecnologia Bancária S/A, empresa que administra o Banco24Horas no Brasil.

Em ambas as situações, sempre tive muito respeito pela incerteza. Por mais modelos estatísticos que tenhamos, a realidade costumeiramente nos mostra o poder que existe nas casas infinitesimais de uma probabilidade, até porque os modelos se baseiam no nosso conhecimento, que não é total sobre nada.

Temos visto muitas informações e orientações mudarem no decorrer desta crise. Sobre os efeitos do vírus, sua natureza, medicamentos, protocolos de tratamento, protocolos de isolamento. E essa falta de certeza faz com que segmentos da população, ora um, ora outro, se revoltem contra decisões de seus governos.

Minha máxima enquanto gestora de riscos sempre foi: risco bem gerido é risco compartilhado. Assim todos assumem a responsabilidade pelo resultado das decisões tomadas.

Este é o caso da Suécia. Um caso de sucesso, que independe de quantas pessoas irão morrer ou se a economia irá se recompor. É uma decisão e responsabilidade coletiva, e nisso reside a maturidade de uma nação. Sejamos adultos.

Maratona trampos.co de coaching

A maratona trampos.co de coaching foi resultado de uma colaboração entre a ybr coaching, trampos.co e Ponto de Contato inicialmente, que depois mudou o nome para Distrito.

Nossa ideia inicial – minha, do Tiago Yonamine, da Fernanda e do Marcos Trugilho –, foi apoiar o processo de desenvolvimento profissional e melhorar a empregabilidade de pessoas que não tinham acesso a programas de coaching individuais.



Foram 16 edições da maratona, com mais de 300 pessoas contempladas. Muitas vidas impactadas!


6 anos de ybr coaching

Quando saí do mundo corporativo no início de 2013, decidi ajudar as pessoas a realizarem o seu potencial, compartilhando os aprendizados de uma carreira executiva de sucesso. Assim nasceu a ybr coaching, que encerrou os trabalhos em 2019 para dar lugar ao projeto Conversas Sistêmicas.

Durante esse período foram conduzidos mais de 200 processos individuais, além de outros projetos coletivos.

Juliana Garcia Sales criou para a ybr a personagem Doralice, uma mistura da Dorothy do Mágico de Oz, com sua busca corajosa do caminho para casa, e Alice no País das Maravilhas, com sua curiosidade pela vida e aceitação das coisas aparentemente impossíveis. Doralice participou de uma série de ilustrações sobre os dilemas dos caminhos que todos percorremos.



Tem também o vídeo produzido e ofertado por Lais Dias sobre o significado do nome ybr coaching e a nossa missão. 


Direito • Uninove

Estudar Direito aos 46 anos foi uma experiência que mudou completamente a minha vida. Poder estudar sociologia, filosofia, direitos humanos com uma visão de maturidade e experiência de vida foi transformador.

Também foi transformador criar novas e profundas amizades com pessoas que, de outra forma, seria extremamente improvável encontrar. Esses amigos hoje fazem parte da minha vida de uma forma tão importante, com laços de confiança tão profundos que me faltam palavras para explicar.

Assim, a carteira vermelha da OAB, que era meu objetivo inicial ao fazer o curso, virou apenas um detalhe na trajetória.


JJ111 • Jova Jevi Dunya

O aniversário de 111 anos de DADA BHAGWAN em Ahmedabad – Índia – 2018


Essa importante celebração do Akram Vignan foi planejada por cerca de 2 anos e recebeu uma média de 100.000 visitantes por dia. A comitiva brasileira era composta por cerca de 60 mahatmas.

Durante os 14 dias em que estive lá, aprendi o valor da seva, o estar a serviço de um propósito. Eu, que inicialmente não havia me voluntariado para nenhum trabalho, pensando em aproveitar ao máximo os eventos, trabalhei incansavelmente todos os dias, colocando ao dispor todas as minhas habilidades que contribuíssem de alguma forma. A bem-aventurança que se sente quando você entrega seus dons para um propósito maior é enorme, e foi aí que o projeto Conversas Sistêmicas começou a tomar forma. Jai Sat Chit Anand – Consciência do eterno é bem-aventurança


Ponto de Partida

O Ponto de Partida foi o primeiro ensaio que realizei, ainda em 2017, no caminho da Economia da Dádiva. Em uma parceria com o trampos Academy e apoiadores, oferecemos gratuitamente um mini programa de coaching em 4 lives no Facebook e um encontro presencial final. Para participar do encontro final, os participantes que pudessem faziam uma pequena doação para entidades que indicamos.


#fiqueemcasa – sim ou não?

Um conceito fundamental para mim é a motivação. Motivo para a ação. Porque se não houver um motivo para agir, eu não o farei. Toda ação é motivada. No contexto de pandemia, esse conceito é fundamental, pois para ficar ou não em casa as pessoas precisam de motivação.

A Teoria da Autodeterminação (SDT – Self Determination Theory), desenvolvida por Edward Deci e Richard Ryan, da Universidade de Rochester, define “autodeterminação” como “o ato de escolher e decidir por si, e de iniciar ações por vontade própria. Uma pessoa que possui um alto nível de autodeterminação tende a ser, também, uma pessoa intrinsecamente motivada.”

Ainda segundo a SDT, temos motivação intrínseca quando a atividade a ser desempenhada é alinhada aos nossos interesses, temos prazer em realizá-las e constituem um desafio possível. Quando não temos motivação intrínseca para realizar uma tarefa, podemos ser motivados externamente de algumas formas:


• Regulação externa – quando nos é oferecida uma recompensa por fazer ou punição por não fazer;

• Regulação introjetada – para não nos sentirmos culpados ou envergonhados;

• Regulação identificada – quando nos apresentam aspectos que aumentam o nosso interesse pela atividade;

• Regulação integrada – quando conseguimos alinhar tanto o interesse quanto o prazer e o nível de desafio para a tarefa.


Estamos assistindo nesses tempos da pandemia de Covid-19 uma mobilização inédita de recursos e a insistente recomendação (e em muitas vezes a obrigatoriedade) do #fiqueemcasa.

Quando olhamos para as estimativas de contaminação e mortos pela doença e comparamos às estatísticas de outras doenças, podemos nos perguntar: por que este esforço tão grande agora?

Charles Eisenstein, em seu ensaio “A Coroação”, chama a atenção de que, no ano de 2019, “cinco milhões de crianças em todo o mundo terão morrido de fome (entre 162 milhões que são atrofiadas e 51 milhões raquíticas). (…) Também não vemos um estado comparável de alarme e de ação em torno do suicídio – a mera ponta de um iceberg de desespero e depressão – que mata mais de um milhão de pessoas por ano em todo o mundo, 50.000 só nos EUA. Ou a respeito dos casos de overdose, que matam 70.000 nos EUA, ou a epidemia de doenças autoimunes que afeta de 23,5 milhões (número do NIH) a 50 milhões (AARDA), ou de obesidade, que atinge mais de 100 milhões.”

Ele também vai em busca da motivação para o esforço que está sendo empreendido no combate ao COVID-19: “Perguntemo-nos, então, por que somos capazes de unificar a nossa vontade coletiva para conter este vírus, mas não para enfrentar outras ameaças graves à humanidade. Por que, até agora, a sociedade tem estado tão paralisada na sua trajetória até aqui?”

Na sua análise, isso acontece “simplesmente porque, diante da fome no mundo, do vício, da autoimunidade, do suicídio ou do colapso ecológico, nós, como sociedade, não sabemos o que fazer.”

O ensaio continua a partir deste ponto de vista e é muito instigante. Recomendo a todos a leitura completa. Charles Eisentein é, sem dúvida, um dos pensadores contemporâneos que influenciam o meu pensamento.

Quero, porém, oferecer uma outra possibilidade de explicação, talvez mais simples, a partir do que consigo observar. Até porque não consigo acreditar que nós não saibamos o que fazer para enfrentar a fome no mundo, o vício, a autoimunidade, o suicídio, a obesidade ou o colapso ecológico.

Na minha opinião, o esforço que está sendo feito agora para conter a doença se dá pelo fato de que, com a Covid-19, EU E MEUS ENTES QUERIDOS PODEMOS MORRER AGORA.

Antes tratava-se, então, de trocar um prazer imediato por uma consequência distante no tempo ou fora da minha realidade. Agora trata-se de trocar o prazer imediato pela minha vida ou das pessoas que amo. Um aumento enorme no meu interesse em ficar em casa.

Temos visto muitas pessoas que não estão aderindo ao isolamento e até protestam contra ele.

Muitas razões para isso acontecer: pessoas que não acreditam no tamanho do risco apresentado; pessoas que não dão valor à vida na mesma medida (já vivem em situação de alta vulnerabilidade social, sujeitas à violência e morte cotidianamente, sem perspectiva de futuro). Pessoas para quem o confinamento provoca sentimentos mais difíceis do que a própria morte (não devemos nunca subestimar a dor alheia).

Podemos emergir desta pandemia uma sociedade melhor: mais sustentável, mais solidária e colaborativa. Ou podemos descobrir apenas depois que os esforços salvaram aqueles que sempre são salvos pelo sistema de alguma forma.

Já marcou sua conversa sistêmica?

Alguém aí está preparado para morrer agora?

Quem fez essa pergunta foi a Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes no seu TEDx de 2012 – A morte é um dia que vale a pena ser vivido.

Ela também brinca com a plateia quando diz, sobre esse tema tão difícil para nós: “Vamos combinar que todo mundo aqui sabe que vai morrer um dia, ou isso é novidade para alguém?”.

Essa imagem de “todo mundo vai morrer um dia” normalmente vem acompanhada no nosso pensamento de “not today satan, not today”.

Mas em época de Covid-19, a possibilidade de morrer hoje, de repente, parece mais real. Quem está preparado para isso?

A morte em tempos de Covid-19 é solitária. Quem for hospitalizado e vier a falecer, provavelmente verá os seus pela última vez no momento da hospitalização.

Negar a possibilidade de morrer (o que não quer dizer que não devamos colocar todos os nossos esforços e intenções na preservação da vida) não vai mudar o que tiver que acontecer. Não adianta fugir para Samarra, como no conto de John O’Hara:


Certa vez um mercador de Bagdá mandou seu servo ao mercado comprar provisões.

Pouco depois, o servo voltou, branco e trêmulo. Disse: “Mestre, agora mesmo, quando estava no mercado, fui empurrado por uma mulher no meio da multidão e ao me virar vi que fora a Morte quem me empurrara. Ela me olhou e fez um gesto ameaçador. Agora me empreste o seu cavalo, vou cavalgar para bem longe desta cidade, a fim de evitar meu destino. Irei a Samarra, lá a Morte certamente não me encontrará”.

O mercador emprestou-lhe seu cavalo. O servo montou, enfiou as esporas nos flancos do animal e, tão rápido quanto este conseguia galopar, se foi.

Então o mercador foi até o mercado, viu a morte em pé no meio da multidão, seguiu até ela e disse: “Por que você fez um gesto ameaçador para o meu servo, quando o viu pela manhã?”

“Não fiz nenhum gesto ameaçador”, respondeu a morte, “foi uma reação de pura surpresa. Fiquei atônita ao vê-lo, aqui, em Bagdá, já que tenho um encontro marcado com ele esta noite, em Samarra”.

(Conto-Versão de Somerset Maugham para “Encontro em Samarra” de John O’Hara).


Vou contar aqui o que fiz quando percebi que de repente eu poderia ir embora, mais rápido do que imaginava (em outro texto do blog já disse que imaginava viver até os 100 anos).

Preparei um documento para meus filhos, com todas as providências que eles precisarão tomar em caso do meu falecimento. Meu pai fez isso. Quando ele morreu, havia uma página com uns 10 itens manuscritos sobre providências que deveríamos tomar. A maior parte delas nós já havíamos conversado a respeito. Ele morreu com quase 87 anos, vítima de um câncer de próstata. Há muito que ele já se preparava e, exatamente por isso, só havia uma folha. Ele nos preparou para este momento, e sou grata por isso.

O meu documento, por sua vez, tem 10 páginas digitadas. Em verdade são dois documentos, cada um com 10 páginas. Um deles para as questões ligadas ao inventário, o outro sobre a gestão da empresa.

Minha ideia inicial era, na iminência de uma hospitalização, enviar o documento aos meus filhos. Não queria fazer isso antes, para que não ficassem ansiosos. Mas o processo de produzir os documentos foi muito bom para mim. Colocar os termos “corpo”, “óbito”, “agência funerária” assim escritos, foi libertador. Ao ir para o papel, saiu da minha cabeça.

Conversei com os meus filhos e ambos entenderam o propósito e, sem ansiedade, fizemos uma reunião online para explicação do conteúdo. Eles ainda são jovens adultos, não têm ideia de como muitas coisas funcionam (cá entre nós, tem muitos adultos que não entenderiam uma boa parte do que coloquei ali; a vida é muito complexa). Foi uma ótima leitura. O documento está agora compartilhado entre nós, e será atualizado à medida em que o tempo passe. De novo, estando no papel, saiu das cabeças. Claro que também foi uma oportunidade de eu perceber a complexidade da minha vida, e a necessidade de simplificar as coisas. Trabalho em andamento.

Também estou treinando meu sócio na empresa a fazer todos os procedimentos na minha ausência. Mais um movimento libertador.

E essa foi a minha constatação final: meu corpo pode não estar mais aqui, mas a vida segue. Assim é o ciclo da vida.

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Por trás do filme A Casa (ou por que construímos personas impossíveis e nos deixamos definir por elas)

A produção espanhola da Netflix “A Casa” (Hogar, 2019) traz aspectos sobre os quais eu particularmente gosto de conversar: idade, carreira, persona.

O site omelete  faz um bom resumo da trama: “Javier Muñoz (Javier Gutierrez) é um publicitário de renome em Barcelona que está há meses desempregado e enfrenta dificuldades para se reestabelecer no mercado de trabalho. Acostumado com o sucesso anteriormente, Javier se vê substituído por jovens com ideias mais disruptivas para as empresas e sem a promessa de que algo mude em um futuro próximo. Ciente disso, Marga (Ruth Díaz), sua esposa, toma a decisão que o marido vinha postergando: é necessária uma mudança completa para que a família sobreviva. A contragosto, o casal deixa o apartamento luxuoso que tinha como residência e se muda para outro em uma área mais simples da cidade”.

Há muito que a nossa sociedade investe no prolongamento da vida. Cuidados com a saúde física, medicina, suplementos, vitaminas. Junto com o prolongamento da vida, um incentivo à eterna juventude. Tratamentos estéticos, cirurgias plásticas, cosméticos, hormônios. A expectativa de vida mundial passou de pouco mais de 50 anos em 1960 para mais de 70 anos em 2020.

Quando fiz 50 anos, entendi que estava provavelmente na metade da minha vida (se algo mais grave não a interrompesse). Decidi então fazer um tratamento ortodôntico novamente (já tinha feito quando adolescente) porque achei que valia a pena pelo tempo de vida que ainda teria.

A nossa sociedade ocidental nos cobra sermos ativos, lindos e produtivos no que antes era chamado de terceira idade. E mais: sempre com mais sucesso e dinheiro.

E assim vamos construindo essa persona que vive neste mundo, impossível de ser mantida, de tão antinatural que é. E aí acreditamos que essa persona somos nós, que ela nos define.

No filme, a persona do publicitário Javier é a sua casa, o carro, a família bonita, o trabalho de sucesso. Na impossibilidade de manter essa identidade, em vez de se relacionar com a realidade e fazer as adaptações necessárias, busca a solução de uma forma artificial (não vou dar spoilers, afinal esse é o mote do filme).

Isso me faz lembrar o caso de um executivo do Rio de Janeiro, em 2016. Depois de ter deixado um cargo em uma grande empresa para se juntar a um novo empreendimento, não conseguiu contratar um convênio médico para a esposa, que sofria de uma doença pré-existente grave. Na nova empresa, achou que estava perdendo poder e poderia ser dispensado, e não conseguiria prover à família aquilo que se esperava dele. Qual foi a sua solução: matou a esposa e se jogou da janela abraçado aos dois filhos. Sobre o caso, as pessoas dizem que ele estava doente. E eu pergunto: o que foi que o adoeceu?

A época em que vivemos, de uma pandemia de dimensões inéditas para a história recente, é um convite a olharmos para aquilo que é realmente importante. Um convite a aproveitar o que a vida apresenta em cada momento. Afinal, como diz uma famosa fábula de Nasrudin, ambos, os bons e os maus momentos, passarão. 

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