Um conceito fundamental para mim é a motivação. Motivo para a ação. Porque se não houver um motivo para agir, eu não o farei. Toda ação é motivada. No contexto de pandemia, esse conceito é fundamental, pois para ficar ou não em casa as pessoas precisam de motivação.

A Teoria da Autodeterminação (SDT – Self Determination Theory), desenvolvida por Edward Deci e Richard Ryan, da Universidade de Rochester, define “autodeterminação” como “o ato de escolher e decidir por si, e de iniciar ações por vontade própria. Uma pessoa que possui um alto nível de autodeterminação tende a ser, também, uma pessoa intrinsecamente motivada.”

Ainda segundo a SDT, temos motivação intrínseca quando a atividade a ser desempenhada é alinhada aos nossos interesses, temos prazer em realizá-las e constituem um desafio possível. Quando não temos motivação intrínseca para realizar uma tarefa, podemos ser motivados externamente de algumas formas:


• Regulação externa – quando nos é oferecida uma recompensa por fazer ou punição por não fazer;

• Regulação introjetada – para não nos sentirmos culpados ou envergonhados;

• Regulação identificada – quando nos apresentam aspectos que aumentam o nosso interesse pela atividade;

• Regulação integrada – quando conseguimos alinhar tanto o interesse quanto o prazer e o nível de desafio para a tarefa.


Estamos assistindo nesses tempos da pandemia de Covid-19 uma mobilização inédita de recursos e a insistente recomendação (e em muitas vezes a obrigatoriedade) do #fiqueemcasa.

Quando olhamos para as estimativas de contaminação e mortos pela doença e comparamos às estatísticas de outras doenças, podemos nos perguntar: por que este esforço tão grande agora?

Charles Eisenstein, em seu ensaio “A Coroação”, chama a atenção de que, no ano de 2019, “cinco milhões de crianças em todo o mundo terão morrido de fome (entre 162 milhões que são atrofiadas e 51 milhões raquíticas). (…) Também não vemos um estado comparável de alarme e de ação em torno do suicídio – a mera ponta de um iceberg de desespero e depressão – que mata mais de um milhão de pessoas por ano em todo o mundo, 50.000 só nos EUA. Ou a respeito dos casos de overdose, que matam 70.000 nos EUA, ou a epidemia de doenças autoimunes que afeta de 23,5 milhões (número do NIH) a 50 milhões (AARDA), ou de obesidade, que atinge mais de 100 milhões.”

Ele também vai em busca da motivação para o esforço que está sendo empreendido no combate ao COVID-19: “Perguntemo-nos, então, por que somos capazes de unificar a nossa vontade coletiva para conter este vírus, mas não para enfrentar outras ameaças graves à humanidade. Por que, até agora, a sociedade tem estado tão paralisada na sua trajetória até aqui?”

Na sua análise, isso acontece “simplesmente porque, diante da fome no mundo, do vício, da autoimunidade, do suicídio ou do colapso ecológico, nós, como sociedade, não sabemos o que fazer.”

O ensaio continua a partir deste ponto de vista e é muito instigante. Recomendo a todos a leitura completa. Charles Eisentein é, sem dúvida, um dos pensadores contemporâneos que influenciam o meu pensamento.

Quero, porém, oferecer uma outra possibilidade de explicação, talvez mais simples, a partir do que consigo observar. Até porque não consigo acreditar que nós não saibamos o que fazer para enfrentar a fome no mundo, o vício, a autoimunidade, o suicídio, a obesidade ou o colapso ecológico.

Na minha opinião, o esforço que está sendo feito agora para conter a doença se dá pelo fato de que, com a Covid-19, EU E MEUS ENTES QUERIDOS PODEMOS MORRER AGORA.

Antes tratava-se, então, de trocar um prazer imediato por uma consequência distante no tempo ou fora da minha realidade. Agora trata-se de trocar o prazer imediato pela minha vida ou das pessoas que amo. Um aumento enorme no meu interesse em ficar em casa.

Temos visto muitas pessoas que não estão aderindo ao isolamento e até protestam contra ele.

Muitas razões para isso acontecer: pessoas que não acreditam no tamanho do risco apresentado; pessoas que não dão valor à vida na mesma medida (já vivem em situação de alta vulnerabilidade social, sujeitas à violência e morte cotidianamente, sem perspectiva de futuro). Pessoas para quem o confinamento provoca sentimentos mais difíceis do que a própria morte (não devemos nunca subestimar a dor alheia).

Podemos emergir desta pandemia uma sociedade melhor: mais sustentável, mais solidária e colaborativa. Ou podemos descobrir apenas depois que os esforços salvaram aqueles que sempre são salvos pelo sistema de alguma forma.

Já marcou sua conversa sistêmica?

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