Constelações Familiares

Fui introduzida no universo das Constelações Familiares em 2010 pela Tamara Thomaz do Interconsciência. Estava passando pelo processo de divórcio, e o ano em que vivenciei as constelações com seu grupo mensalmente foi fundamental para que tudo caminhasse para uma boa separação. Participei de suas vivências nos anos que se seguiram e ficava sempre maravilhada pela profundidade de seu trabalho. E a responsabilidade que vinha dele, razão pela qual resisti muito tempo a sentar na cadeira de constelador.



Foi só em 2018, logo que cheguei à Lisboa, que senti o chamado para atravessar essa linha. E foi a iluminada Darshan Rogéria Cruz que me guiou por esse caminho em duas poderosas formações intensivas no Osho Darshan Institute. Darshan significa “a que vê” e não poderia ser melhor designação para sua potência. Ela me disse que eu estava pronta o suficiente para começar e assim foi.

Pelas mãos de Eva Jacinto do Porto, conheci a alemã Marianne Franke-Gricksch, uma das primeiras discípulas de Bert Hellinger e hoje reconhecida como a maior autoridade em Pedagogia Sistêmica. Foram três dias do olhar mais amoroso e respeitoso aos sistemas familiares que já presenciei. Com Marianne aprendi a olhar com humildade e respeito para a história e o destino das pessoas e suas famílias.



Em 2019, alguns dias depois da morte de Bert Hellinger, participei do Hellinger Days em Bad Reichenhall, berço da Hellinger Sciencia. Foram 12 dias de uma intensidade e vibração inesquecíveis. Ali, num ambiente extremamente emocionado pela perda recente, tive a oportunidade de aprender com Sophie Hellinger, Rüdiger Rogoll (Análise de Script) e Rupert Sheldrake (Campos Mórficos e Morfogenéticos). E vivenciar a frase de Bert: “com o fim vem um novo começo”.

Recentemente dei um novo salto de compreensão e consciência sistêmica com Zaquie Meredith em um seminário sobre constelações online. Zaquie libertou as últimas amarras que eu tinha para confiar em mim e na forma como conduzo este trabalho. 



O aprendizado e trabalho pessoal nunca acaba. Com a integração à grande comunidade de consteladores, tenho recebido lições preciosas de todas as partes do planeta. E assim seguimos na nossa missão de nos colocar a serviço do bem das pessoas.

Inocentes do Leblon e Banhistas do Reino Unido • Por que as pessoas estão colocando a si e aos outros em risco?

Depois do caso dos “Inocentes do Leblon”, que se repete em outros países com condutas semelhantes,  como nas praias cheias no Reino Unido, tenho tentado elaborar um pensamento sobre os diversos comportamentos das pessoas, após alguns meses de pandemia. Nada é tão simples quanto parece ser nos posts das redes sociais. O que é comum a todos os posts é que todos entendem ter razão e que quem pensa diferente é ignorante ou mau caráter (ou os dois).

Já conversamos anteriormente no texto de maio do blog sobre as motivações para as pessoas aderirem ou não às recomendações de isolamento social. Mas precisamos olhar mais profundamente esta questão.

Nada melhor do que uma tabela com dois eixos para se avaliar uma situação. Escolhi para a minha tabela as seguintes dimensões: capacidade de se proteger no eixo horizontal e capacidade de discernir no eixo vertical.

Capacidade de se proteger tem a ver com poder se isolar. Isso depende principalmente de condições sociais e econômicas. 

Capacidade de discernir tem a ver com o pensamento crítico. Ser capaz de identificar interesses ocultos e falsas notícias, fazer correlações de causa e efeito por conta própria, fugir do sensacionalismo e manipulações ideológicas, sejam quais forem. Ser capaz de formar juízos a partir de dados, fatos e evidências.

Olhando desta forma, podemos separar as pessoas em quatro grupos:


1) Pessoas que conseguem discernir e se proteger

Quando uma pessoa tem a capacidade de discernir e se proteger, ela decide, com base nas evidências, seus valores e recursos pessoais, o quanto de risco ela quer correr, tanto por si como pelos outros. 

Saindo um pouco do cenário da Covid-19, vamos lembrar o que foi a introdução do HIV e o vírus da Hepatite C na nossa vida. Como são doenças que demoram para se manifestar, quando o vírus e sua forma de contaminação foram identificados, já havia muitos infectados. Coube à minha geração decidir se proteger ou não, com o uso de preservativos, seringas descartáveis, luvas em atividades que lidassem com sangue. Pensam que foi sempre que os dentistas usavam máscaras, viseiras e luvas nos atendimentos? Quantas manicures não se infectaram manicurando suas clientes? E vice-versa? Foram muitas esposas infectadas pelos maridos por ser uma relação íntima de aparente confiança. 

Atualmente existem medicamentos para controlar o impacto do HIV e da Hepatite C. E então as pessoas decidem correr mais riscos, pois existem mecanismos de contorno.

O que é diferente na Covid-19? Primeiro, o ciclo de contaminação e aparecimento de sintomas é muito mais curto e o desfecho muito mais rápido, além do processo de contaminação ser muito mais simples do que os outros vírus citados. Porém, já está claro que as mortes são mais frequentes nas populações com menos acesso aos serviços de saúde, que coincidentemente são aquelas com menor resistência imunológica. 

O que faz a pessoa que é capaz de discernir e se proteger, então? Faz uma avaliação dos seus recursos de enfrentamento da doença versus as perdas na sua visão pessoal no caso de ser infectado. E toma sua decisão: #ficaremcasa ou #sairdecasa.

Uma parte dos “Inocentes do Leblon” e dos “Banhistas do Reino Unido” estão na categoria que tem discernimento e decidiu sair de casa e se divertir. 

Interessante é que, como nesse caso ser infectado pode causar morte a outras pessoas, reside o conceito de “dolo eventual”, quando a pessoa assume o risco de causar danos aos outros porque acha que é capaz de manter a situação sob controle. Não esquecer que espalhar agente infeccioso conscientemente é crime tipificado em lei. E aqui, de novo e como em qualquer tipo de crime, a pessoa irá avaliar a chance de vir a ser punida pela conduta.


2) Pessoas que não conseguem discernir, mas conseguem se proteger

Analfabetismo funcional não é privilégio de classe. Quantas pessoas são incapazes de compreender um texto simples? Principalmente quando a capacidade de compreensão está toldada por crenças? Quantas pessoas se deixam levar pelas manchetes das notícias sem ler o seu conteúdo e fazer a própria avaliação?

Essas pessoas que não são capazes de discernir, mas que são capazes de se proteger do vírus pela sua condição social e econômica, seguirão as ações do seu grupo de referência. É o efeito de ressonância de grupo. Aquele que me faz sentir pertencente.

Essas pessoas podem #sairdecasa ou #ficaremcasa, de acordo com seu endogrupo.

Uma outra parte dos “Inocentes do Leblon” e dos “Banhistas do Reino Unido” está nessa categoria: aqueles que não conseguem discernir mas decidem sair de casa seguindo seu grupo de referência.

E não será difícil vê-las reclamando depois e colocando a culpa nos outros, qualquer que seja a atitude ou o resultado, se este for diferente do que o grupo esperava. Essas pessoas não assumem a responsabilidade pelas próprias ações. São sempre “induzidas a erro”.


3) Pessoas que são capazes de discernir e não conseguem se proteger

Como ficam as pessoas que são capazes de discernir, mas, devido às suas condições econômicas ou sociais, não são capazes de se proteger?

Elas não dispõem de condições de moradia adequada, precisam sair para trabalhar para garantir o sustento da família, pegam o transporte público lotado, trabalham em ambientes insalubres.

Estas pessoas estão completamente à mercê das circunstâncias, fazem o que podem, muitas vezes estarão desesperadas e atuando junto às suas comunidades ou, eventualmente, conformadas – afinal não é assim que a vida sempre foi? Não são sempre essas as pessoas que morrem? Que tem a menor expectativa de vida ao nascimento?

E mesmo no momento de lazer, essa pessoa vai pensar se vale a pena #ficaremcasa ou #sairdecasa. Vale a pena ficar em casa quando eu poderia ter um pouco de divertimento se eu preciso sair de casa para garantir o sustento da família? 

Para muitas dessas pessoas, a morte é enfrentada todo dia há muito tempo, no caminho para a escola ou para o trabalho. A Covid-19 é só mais uma maneira de morrer.

Algumas das pessoas presentes aos eventos dos “Inocentes do Leblon” e dos “Banhistas do Reino Unido” estão nessa categoria. São as pessoas que são obrigadas a trabalhar servindo as pessoas que estão se divertindo, sem muitas vezes terem condições mínimas de segurança para trabalhar, desde o transporte até no local de trabalho.


4) Pessoas que não são capazes de discernir e nem de se proteger

Estas são as pessoas que estão completamente sujeitas às circunstâncias.

Sua sorte, que será ruim ou menos ruim, dependerá do seu grupo de referência.

Vejam o caso de Paraisópolis, comunidade brasileira onde o Estado é completamente ausente e com grandes dificuldades econômicas. Por força da ação das lideranças da comunidade, está conseguindo obter melhor resultado no enfrentamento à doença do que a média do município de São Paulo, onde se insere. Um caso de grupo com boa referência.

Com certeza esse grupo de pessoas também está presente nos eventos em questão, também por obrigação de sobrevivência. Provavelmente estão lá sem saber realmente o risco que correm e talvez por isso seu sofrimento seja menos intenso. Afinal é apenas mais um dia de mais do mesmo.


Conclusão

Enquanto permanecemos e propagamos as ideias do nosso endogrupo (aquele grupo com o qual me identifico, entro em ressonância), as transformações serão difíceis e conflituosas.

Teremos que conseguir criar maior ressonância entre os grupos.

Na minha visão, o caminho passa um processo educacional que vise a formação de cidadãos críticos e um esforço de redução das desigualdades sociais e econômicas. Passa também pelo cultivo de valores pessoais que visam o bem de todos e não só o individualismo, valores que nos levem a colaborar mais e competir menos, enfim, valores que reduzam a nossa sensação de sermos separados e criem a sensação de que somos parte de um todo.

Convido a todos para entrar nessa vibração.