A arte cavalheiresca do jogador de Candy Crush

Jogo Candy Crush desde 2013. É o único jogo eletrônico que eu tenho e meus filhos riem muito disso. Sou fiel, dedicada e (acho) não obsessiva. Estou lá pelo nível 2.400…

Tenho um princípio para jogar esse jogo: eu não compro absolutamente nada. Nem vidas, nem jogadas, nem boosters (são doces especiais e com poderes específicos). É possível ir ganhando esses especiais gratuitamente de várias maneiras, mas todas elas são, de alguma forma, prêmios por perseverança.

Isso significa que já joguei alguns níveis quase 200 vezes até vencê-lo. Eu sei que se eu insistir e jogar com atenção, em alguma tentativa, por mais difícil que seja o nível, eu conseguirei.

Para que isso aconteça, uma série de circunstâncias específicas tem que acontecer naquela tentativa. Como o jogo é aleatório em diversos aspectos, uma hora essas circunstâncias aparecem.

E como podemos traçar um paralelo com a nossa vida? Temos controle sobre uma série de coisas, desde a nossa intenção até alguns recursos. Mas não temos domínio sobre outras pessoas e todas as circunstâncias necessárias.

Um exemplo bem atual: eu tinha uma viagem com meu filho marcada para abril deste ano. A viagem incluía um retiro espiritual de 5 dias para mim. Tudo comprado: passagens de avião, trem, retiro, hotéis reservados. E veio a pandemia. E tudo foi cancelado. Eu ainda adiei a viagem para setembro. Provavelmente as circunstâncias também não permitirão. E se permitirem, não sei se quero mais ir.

E no nosso dia a dia? Será que é verdade que o único responsável pelo meu sucesso sou eu mesmo? Não será essa mais uma armadilha para nos desgastar física e emocionalmente?

Pablo Picasso dizia: “Que a inspiração chegue não depende de mim. A única coisa que posso fazer é garantir que ela me encontre trabalhando.”

É muito comum, quando conquistamos algo, dizermos “eu fiz”. E quando não conseguimos, dizermos que algo atrapalhou. Não percebemos, porém, que quando as coisas dão certo é porque esse “algo” colaborou para o sucesso.

O que aprendemos sobre isso tudo? Primeiro, que é preciso perseverar. Depois, que o resultado alcançado não depende apenas de nós. Quando o que trabalhamos para alcançar não acontece, entendemos que não estamos no controle de tudo. Fazemos os ajustes necessários e seguimos em frente. 

O bom exemplo que vem da Suécia no combate à Covid-19

2020 está assistindo a um evento inédito na história das gerações vivas: uma pandemia de proporções inimagináveis (para a imensa maioria das pessoas).

Para lidar com uma situação tão extrema, os países têm adotado estratégias diferentes e, numa época de polarização de opiniões, temos a tendência de classificar essas táticas de forma simplificada e também polarizada: certo e errado. É fato que somente a história poderá dar o seu veredito final sobre isso, ainda que o conceito de certo e errado sejam também uma escolha moral que depende de uma cultura e sociedade. Esta é realmente uma questão que se impõe: quais serão os indicadores-chave para aferir o sucesso de uma estratégia de enfrentamento à Covid-19?

Uma estratégia em especial tem chamado a atenção: o caso da Suécia.

A Suécia é um país com um dos maiores IDHs e nível de desenvolvimento no geral. Um país reconhecido pelas boas práticas de cidadania e qualidade de vida.

O espanto se dá pelo não alinhamento da Suécia ao mainstream ocidental e, por que não dizer, global, de não impor à grande parte da sociedade medidas de isolamento social. Até o momento em que escrevo, a quantidade de mortos pela doença no país é três vezes maior que a de Portugal, nação com número de habitantes semelhante, mas que adotou bem cedo a estratégia de amplo isolamento.

A diferença deste caso para outros países que rechaçaram o isolamento, no entanto, é que, pelo que chega ao mundo pelas notícias, a sociedade sueca parece estar de acordo com este caminho, o que se reflete nas pesquisas de confiança no governo e na gestão da crise, que mantém-se em alta.

O que está por trás desse comportamento tão divergente?

Neste texto trago algumas reflexões a partir de diferentes abordagens. Convidei o amigo Tadeu Kobna, brasileiro residente na Suécia há 5 anos, para trazer a visão de quem está vivendo essa situação de dentro.


O que nos faz adultos?

Será simplesmente um conceito ligado à idade? 

Para ampliarmos o nosso entendimento, vou trazer duas abordagens sobre esse “arquétipo”: o conceito de “funcionamento otimizado” e a “análise transacional”.

Segundo Will Meek (Overfunctioning & Underfunctioning – Washington State University), o funcionamento otimizado pode ser definido como a habilidade de funcionar “bem” no dia a dia. Entre outros aspectos que vamos descrever, inclui a capacidade de cuidar de si mesmo e de sua própria rotina. Uma boa definição para ser adulto, não é?

Segundo esta abordagem, podemos observar o funcionamento de uma pessoa por meio de sete dimensões: 


  1. Autonomia: fazer o que é esperado para uma pessoa em determinada idade ou função. O ser humano demora muit tempo para se tornar autônomo, diferentemente de outros animais. Mesmo assim é esperado um determinado nível de autonomia para cada idade. Não se espera que um bebê amarre seus sapatos, mas uma criança de 10 anos tem que ser capaz de fazê-lo. Tudo isso baseia-se num conceito de normalidade que é estatístico. A curva normal indica que a maior parte das observações de um evento se encontram em torno de um resultado. Isso não quer dizer que algo é bom ou ruim, certo ou errado. Apenas que é costumeiro. Quando algo é fora do costumeiro, para mais ou menos, chama a nossa atenção para entender o que acontece. Depois de uma certa idade, quando nos tornamos “adultos”, o fator idade deixa de ter tanta importância e a autonomia se mostra na nossa capacidade de realizar algumas funções, no trabalho, em casa, nos relacionamentos etc.
  2. Responsabilidade: assumir a responsabilidade pelas próprias decisões e ações, sem imputar a outras pessoas.
  3. Tomada de decisão: capacidade de tomar decisões por critério pessoal. Não deixar que outras pessoas tomem a decisão por si.
  4. Resolução de problemas: face aos obstáculos, a capacidade de analisar a situação, entender os recursos disponíveis e riscos envolvidos, elaborar uma estratégia de ação e agir.
  5. Gestão de tempo: fazer as escolhas de como administrar seu tempo, não deixando aos outros a determinação do que fazer com esse recurso único e fundamental que possuímos.
  6. Gestão de stress: frente a situações que geram stress, saber retornar ao estado de equilíbrio (resiliência).
  7. Vivenciar personas adequadamente: para cada situação devemos utilizar uma persona adequada. Não é possível ser pai dos funcionários, nem chefe dos filhos.

Essas sete dimensões nos dão um “guia” para apurar em que grau uma pessoa está em funcionamento otimizado. Basta dar uma nota de 0 a 10 a cada fator e teremos uma ideia de quanto uma pessoa é “adulta”.

Já a análise transacional de Eric Berne nos fala sobre “estados de ego”. Esta abordagem mostra que o nosso ego, essa persona que construímos para lidar com o mundo que nos cerca, “passeia” várias vezes por dia por “estados de ego” diferentes: de pai, de adulto e de criança.


O que podemos falar resumidamente sobre estes três estados?

O estado de ego pai, que pode ser autoritário ou protetor, mostra-se principalmente quando estamos lidando com pessoas que, pelo menos aparentemente, entendemos serem “menores” do que nós: filhos, funcionários, empregados, atendentes de serviços em geral. A forma como nos dirigimos e nos relacionamentos com estas pessoas pode se revestir de uma característica protetora ou autoritária, que reflete a forma como aprendemos sobre essas relações com as figuras de autoridade da nossa infância: pais, professores, cuidadores etc.

Já o estado de ego criança aparece frequentemente quando enfrentamos uma situação fora das nossas expectativas. E se mostra como criança rebelde, criança submissa ou uma criança livre, curiosa e aprendiz. De novo, a forma como lidamos com as frustrações refletem as nossas experiências enquanto crianças.

E como será que se comporta o estado de ego adulto? Bem, o adulto é adulto e só, sem nenhum outro complemento. O adulto é aquele que, frente a uma situação da realidade objetiva, é capaz de filtrar as mensagens enviadas pelo estado de ego pai e estado de ego criança, limpar essas interferências e agir de forma consciente e presente frente à situação – alinhado às 7 dimensões da abordagem de Meek, podemos acrescentar. 

Alcançar o estado de ego adulto é um exercício de observação, determinação e decisão constantes. O verdadeiro processo de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal.

Unindo essas duas abordagens, do funcionamento otimizado e da análise transacional, o que podemos pensar sobre como estamos agindo frente à pandemia, individualmente e como nações?


O contrato social e as liberdades individuais

O que está em jogo nas diferentes estratégias abordadas pelas diferentes nações no enfrentamento à pandemia?

Remonto à ideia de “contrato social”, conforme concebido por Hobbes e Locke no século XVII. Embora as duas abordagens tenham seus pontos de divergência, eles trouxeram no geral a ideia de que, enquanto indivíduos, abrimos mão de fazer justiça com as próprias mãos (o “cada um por si”), transferindo ao Estado essas ações em troca de proteção contra a “morte violenta”. 

Esse pensamento é embrionário para  o nascimento dos Estados Nacionais, que encerraram o longo ciclo das monarquias absolutistas, processo que se consolidou no século XIX.

Um contrato reza sobre direitos e deveres. É uma manifestação de vontade entre as partes.

A troca de liberdades por proteção é algo muito antigo. A organização feudal, com suas relações de suserania e vassalagem, é um exemplo dessa prática, que é ainda muito mais antiga do que isso.

Nesse mesmo contexto medieval,, a Carta Magna de 1215, estabelece um regramento do que podia ou não podia o governo, assinada depois do Rei João da Inglaterra ter violado um número de leis antigas e costumes pelos quais Inglaterra tinha sido governada.

O artigo 5º da Constituição Brasileira descreve as liberdades fundamentais do cidadão, que o Estado tem que respeitar. Os deveres do Estado também estão na Constituição. É o grande contrato nacional. 

O estado de sítio, de emergência, de calamidade, de guerra, são todos estados de exceção que o governo pode declarar, dentro dos ritos formais, que, de alguma forma, restringem direitos fundamentais do cidadão em prol de uma situação extrema, visando o bem comum.

Para dar uma dimensão, a pena de morte – que não existe no ordenamento jurídico brasileiro – é permitida em estado de guerra. 

As medidas encontradas pela maior parte das nações do mundo para o combate à pandemia passa por uma série de restrições de liberdades fundamentais, visando o bem maior. Mas no geral, internamente aos países, não há consenso na população sobre se as restrições são devidas. Existem grupos pró e contra toda estratégia, cada um alegando suas razões. 

Cabe aqui uma nota de que, no Brasil, a questão é ainda mais crítica porque não existe um consenso entre as diferentes esferas de governo (federal, estadual e municipal) e o país é muito extenso e diverso. Em Portugal, onde existe um alinhamento grande entre as esferas, além de sintonia na maior parte dos aspectos entre situação e oposição, as coisas fluem muito mais facilmente. 

Vários países que sofreram muitas mortes em função da situação e tiveram grandes restrições às suas liberdades, no momento em que a situação aparentemente começa a estar sob controle, começam a ver protestos para que as liberdades sejam restauradas mais rapidamente. Existe mesmo um receio, não sem razão, de que uma nova normalidade com menos direitos seja justificada desta forma. 

Como então todas essas questões aparecem no caso único do país escandinavo que é tema deste texto?


Uma visão de quem mora na Suécia

Eu, Tadeu Kobna, músico e produtor cultural, brasileiro residente na Suécia há quase 5 anos, tentarei relatar um pouco da experiência que estou vivendo aqui na Escandinávia durante estes tempos de Corona.

Acredito ser necessário descrever um pouco da minha rotina e não generalizar, pois minhas atividades são bem diferentes das do cidadão que trabalha com horários fixos ou mesmo no fronte essencial ou secundário de serviços.

Eu trabalho no setor cultural e este foi o primeiro a ser suspenso; produção de eventos de médio e grande porte, concertos e festivais foram todos cancelados até segunda ordem. Inicialmente aqui na Suécia não havia número limite para reuniões de pessoas. Só no final de março o governo anunciou a limitação, que até agora não permite aglomerações de mais de 50 pessoas, seguido de distanciamento social.

Para citar um exemplo significativo, o Valborg, evento que reúne centena de milhares de jovens que é uma das maiores tradições daqui,  teve um destino curioso este ano. Em Gotemburgo, as autoridades recorreram a uma estratégia no mínimo hilária ao perceber que os preparativos para a festa estavam ocorrendo “disfarçadamente”. O serviço que cuida dos parques foi acionado e um dia antes do encontro a administração do parque borrifou esterco de galinha nos gramados onde as aglomerações aconteceriam. Ninguém se arriscou a acampar ou mesmo se sentar no gramado para tomar uma cervejinha.

Escolas para crianças de 12 anos continuam abertas, minha esposa (que é sueca) continua trabalhando, os ambientes que ainda frequento estão todos de uma forma ou de outra atendendo às sugestões de distanciamento. Mas não há lockdown formal, proibição ou ameaças de multa. Enfim, ao meu ver, o cidadão sueco (e eu diria nórdico) já tem uma predisposição ao distanciamento).

Devo confessar que, aos olhos de um brasileiro, a relação entre governo e população comum ainda me soa um pouco surreal. O governo confia no bom senso das pessoas e os suecos confiam nas decisões do governo. Neste caso específico (eu normalmente não acompanho política local), posso dizer que parte da confiança no Ministério da Saúde e suas decisões vem do fato de que a equipe é formada por médicos e pesquisadores com larga experiência teórica e prática em casos de epidemiologia pela África, Oriente Médio e Ásia. Depois de ler o CV do Dr. Tagnell (epidemiologista estatal da agência de saúde pública sueca), até eu fiquei mais tranquilo. Se os resultados serão melhores ou piores do que os de outros países, ainda não sabemos. O que consigo acompanhar no momento, por meio de amigos que estão vivendo esta experiência em diversos locais do globo, é que existe uma tensão e angústia em torno do desconfinamento, e isto acho que não sofreremos na Suécia.

Aqui eu não noto falta de materiais de higiene, local público disponibiliza álcool em gel e luvas de borracha, e algumas pessoas fazem uso de máscaras – eu diria uns 20%. Ontem mesmo fiz uso de transporte público e achei interessante que os ônibus estão circulando com as portas da frente fechadas e não cobrando pelo serviço (o objetivo é evitar o contato do passageiro com o motorista). Já no metrô o movimento caiu uns 70%.

Gostaria de dizer que já passei por um processo que me obrigou a me “reinventar” quando, no início de 2000, vi a indústria na qual eu concentrava 100% das minhas atividades, a fonográfica, se esfacelar diante dos meus olhos. Hoje, durante essa pandemia, eu vejo milhares de indústrias entrarem em “processo de transformação forçada”, só que com a complicação adicional que é a disrupção pandêmica. Ainda não sei como a Suécia vai se sair desse teste, o que posso dizer é que aqui a tecnologia está avançando 5 anos em cinco meses. O processo de tecnificação que se instala a fim de substituir várias atividades é incrível. 


Conclusão

Fui professora da disciplina de Gestão de Riscos Corporativos no MBA em Gestão da Segurança Empresarial oferecido pelo Prof. Dr. Antônio Brasiliano e gestora de riscos da Tecnologia Bancária S/A, empresa que administra o Banco24Horas no Brasil.

Em ambas as situações, sempre tive muito respeito pela incerteza. Por mais modelos estatísticos que tenhamos, a realidade costumeiramente nos mostra o poder que existe nas casas infinitesimais de uma probabilidade, até porque os modelos se baseiam no nosso conhecimento, que não é total sobre nada.

Temos visto muitas informações e orientações mudarem no decorrer desta crise. Sobre os efeitos do vírus, sua natureza, medicamentos, protocolos de tratamento, protocolos de isolamento. E essa falta de certeza faz com que segmentos da população, ora um, ora outro, se revoltem contra decisões de seus governos.

Minha máxima enquanto gestora de riscos sempre foi: risco bem gerido é risco compartilhado. Assim todos assumem a responsabilidade pelo resultado das decisões tomadas.

Este é o caso da Suécia. Um caso de sucesso, que independe de quantas pessoas irão morrer ou se a economia irá se recompor. É uma decisão e responsabilidade coletiva, e nisso reside a maturidade de uma nação. Sejamos adultos.

Por trás do filme A Casa (ou por que construímos personas impossíveis e nos deixamos definir por elas)

A produção espanhola da Netflix “A Casa” (Hogar, 2019) traz aspectos sobre os quais eu particularmente gosto de conversar: idade, carreira, persona.

O site omelete  faz um bom resumo da trama: “Javier Muñoz (Javier Gutierrez) é um publicitário de renome em Barcelona que está há meses desempregado e enfrenta dificuldades para se reestabelecer no mercado de trabalho. Acostumado com o sucesso anteriormente, Javier se vê substituído por jovens com ideias mais disruptivas para as empresas e sem a promessa de que algo mude em um futuro próximo. Ciente disso, Marga (Ruth Díaz), sua esposa, toma a decisão que o marido vinha postergando: é necessária uma mudança completa para que a família sobreviva. A contragosto, o casal deixa o apartamento luxuoso que tinha como residência e se muda para outro em uma área mais simples da cidade”.

Há muito que a nossa sociedade investe no prolongamento da vida. Cuidados com a saúde física, medicina, suplementos, vitaminas. Junto com o prolongamento da vida, um incentivo à eterna juventude. Tratamentos estéticos, cirurgias plásticas, cosméticos, hormônios. A expectativa de vida mundial passou de pouco mais de 50 anos em 1960 para mais de 70 anos em 2020.

Quando fiz 50 anos, entendi que estava provavelmente na metade da minha vida (se algo mais grave não a interrompesse). Decidi então fazer um tratamento ortodôntico novamente (já tinha feito quando adolescente) porque achei que valia a pena pelo tempo de vida que ainda teria.

A nossa sociedade ocidental nos cobra sermos ativos, lindos e produtivos no que antes era chamado de terceira idade. E mais: sempre com mais sucesso e dinheiro.

E assim vamos construindo essa persona que vive neste mundo, impossível de ser mantida, de tão antinatural que é. E aí acreditamos que essa persona somos nós, que ela nos define.

No filme, a persona do publicitário Javier é a sua casa, o carro, a família bonita, o trabalho de sucesso. Na impossibilidade de manter essa identidade, em vez de se relacionar com a realidade e fazer as adaptações necessárias, busca a solução de uma forma artificial (não vou dar spoilers, afinal esse é o mote do filme).

Isso me faz lembrar o caso de um executivo do Rio de Janeiro, em 2016. Depois de ter deixado um cargo em uma grande empresa para se juntar a um novo empreendimento, não conseguiu contratar um convênio médico para a esposa, que sofria de uma doença pré-existente grave. Na nova empresa, achou que estava perdendo poder e poderia ser dispensado, e não conseguiria prover à família aquilo que se esperava dele. Qual foi a sua solução: matou a esposa e se jogou da janela abraçado aos dois filhos. Sobre o caso, as pessoas dizem que ele estava doente. E eu pergunto: o que foi que o adoeceu?

A época em que vivemos, de uma pandemia de dimensões inéditas para a história recente, é um convite a olharmos para aquilo que é realmente importante. Um convite a aproveitar o que a vida apresenta em cada momento. Afinal, como diz uma famosa fábula de Nasrudin, ambos, os bons e os maus momentos, passarão. 

Se depois de ver o filme quiser conversar sobre isso, é só marcar a sua conversa sistêmica gratuita.  

Ser produtivo é bom? Para quem?

Tive uma carreira corporativa de sucesso. Graças a ela e à boa empresa em que trabalhei por 21 anos, consegui construir um patrimônio e cuidar bem da minha família.

Aos 49 anos, fui demitida e decidi não voltar ao mercado, dando início à minha carreira em coaching. Com toda a minha experiência, plano estratégico, marketing e vendas na mão, em pouquíssimo tempo já estava fazendo cerca de oito atendimentos por dia, numa rotina profissional até mais desgastante do que a anterior, pois cada atendimento exige 100% de atenção, sem qualquer descanso.

Meu querido amigo Jefferson, colega na faculdade de Direito, no topo dos seus 20 e poucos anos, falava para mim: “véia, pra que isso? Você não precisa.”

Para quem viveu tantos anos sendo extremamente produtiva, aquele questionamento era completamente sem noção. Como é possível vivermos sem buscar produtividade? Era exatamente isso o que eu mais trabalhava com os meus coachees. Ser produtivo é produzir mais resultados com o melhor aproveitamento dos recursos em qualquer aspecto da vida.

Mas, como as grandes lições vêm de onde menos se espera, Jefferson tinha muita razão. E o primeiro ponto que eu tive que questionar era o que realmente eu precisava.

Segundo Charles Eisenstein (em “O mundo mais bonito que nossos corações sabem ser possível”), se mantivermos a nossa estrutura de referência, não será possível fazer as transformações necessárias para um mundo melhor (melhor? Mais bonito? Mais?).

Tempo é dinheiro; ficar parado não é produtivo; acumulação é necessária; tecnologia é necessária para uma vida melhor; ser eternamente jovem; envelhecer produtivamente; ter sucesso. Quantas ideias bombardeadas diariamente nos levando à frustração e exaustão.

A partir de reflexões profundas, ainda estou no meio do caminho. Já decidi que não preciso de mais nada material além do que já tenho. E que agora, para mim, a única abundância que existe é a de tempo. Poder gastar um imenso tempo para fazer algo que me dá prazer e que aparentemente não é produtivo, como levar duas horas e meia para comprar a manteiga de amendoim perfeita para meu filho.

Recebi minha amiga Michelle em Lisboa outro dia, e fizemos um passeio pelas praias e arredores, envolvendo vários trechos de transporte público (metro, comboios e autocarros). Deu tudo muito certo e ela comentou: como fomos produtivas! E rimos muito, pois a tal da produtividade não nos deixou em paz nem no passeio. Já fazendo outro passeio com minha amiga de mais de 20 anos Teresa, conversávamos tanto que erramos o caminho; sentamos calmamente e seguimos conversando enquanto tentávamos nos orientar pelos aplicativos. Perdemos um dos pontos do passeio planejado – e tudo bem. Foi um ótimo dia para estarmos juntas e viver nossa amizade.

Cuidado para o lobo em pele de cordeiro: muitas empresas estão oferecendo programas que aparentemente melhoram a qualidade de vida, mas que na verdade estão preparando os funcionários para aguentarem mais a pressão e produzirem ainda mais, o que pode ter como consequência prejuízos para a sua saúde mental.

Nesse sentido recomendo o ótimo artigo “Como o capitalismo capturou a indústria do mindfulness”.

Já marcou sua conversa sistêmica?

Privacidade Hackeada e o triângulo da ética

Hoje foi dia de assistir “Privacidade Hackeada” (The Great Hack), documentário original da Netflix sobre a interferência da Cambridge Analytica em processos eleitorais.

Dentro de tudo o que se pode discutir sobre tão intenso documentário, o aspecto que quero trazer para a discussão é o que eu chamo de “triângulo da ética”, que aprendi como sendo o “triângulo da fraude”. Para isso vou colocar o foco na pessoa da ex-diretora sênior Brittany Kaiser.

Brittany Kaiser é sem dúvida alguma uma jovem muito, muito inteligente e capacitada. Trabalhou em eleições desde os 14 anos e durante muitos anos trabalhou em organizações para a defesa dos Direitos Humanos.

Em 2014 foi contratada pela Cambridge Analytica e todo o seu conhecimento e capacidade foram aplicados de uma maneira que podemos resumir como, no mínimo, sórdida. 

O que aconteceu com Brittany? Alguns apressados já vão responder que o dinheiro falou mais alto – e é verdade. Mas vamos olhar com mais detalhe a partir do “triângulo da ética”?

Tenho visto algumas definições diferentes do triângulo da fraude, mas vamos ficar com a que eu aprendi no meu MBA em Gestão da Segurança Empresarial: motivação, meios e oportunidade.

Por que decidi chamar o triângulo da fraude de triângulo da ética? Porque o mecanismo é o meio. Falhamos eticamente ou aplicamos um golpe quando esses três fatores se encontram: o motivo para cometer o ato, o meio para executá-lo e a oportunidade de agir.

O que foi que mudou essencialmente em Brittany? Quando ela aceitou trabalhar para a Cambridge Analytica, os meios e a oportunidade estavam lá. Porém, ela já trabalhava com essas ferramentas em outras ocasiões e não fez esse uso extremo das mesmas. Essas circunstâncias não seriam nada sem o terceiro fator: a motivação. Sim, a motivação foi que eles pagaram o que ela queria, mas porque ela queria aquele montante tão grande que foi recusado por outros possíveis contratantes?

Porque sua família quebrou na crise de 2008, perderam a casa em 2014 e o pai fez uma cirurgia no cérebro que o incapacitou a trabalhar. Num país como os EUA, sem nenhuma proteção social, o destino da família era a rua e a indigência. 

Depois de todo o mal feito, ela se arrependeu e tornou-se importante colaboradora na investigação dos crimes e mudanças na legislação de proteção de dados. Eventualmente a sua moral original pôde voltar à tona agora que a família estava segura com todo o dinheiro que ela com certeza ganhou. 

O que me traz a valiosa definição de Mario Sérgio Cortella: Ética é o conjunto de valores e princípios que usamos para responder a três grandes questões da vida: (1) quero?; (2) devo?; (3) posso? Nem tudo o que eu quero, eu posso; nem tudo que eu posso, eu devo; e nem tudo que eu devo, eu quero. Você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é ao mesmo tempo o que você pode e o que você deve.

De resto, vejam o documentário. Excelente e necessário.

Já marcou sua conversa sistêmica?