Tive uma carreira corporativa de sucesso. Graças a ela e à boa empresa em que trabalhei por 21 anos, consegui construir um patrimônio e cuidar bem da minha família.

Aos 49 anos, fui demitida e decidi não voltar ao mercado, dando início à minha carreira em coaching. Com toda a minha experiência, plano estratégico, marketing e vendas na mão, em pouquíssimo tempo já estava fazendo cerca de oito atendimentos por dia, numa rotina profissional até mais desgastante do que a anterior, pois cada atendimento exige 100% de atenção, sem qualquer descanso.

Meu querido amigo Jefferson, colega na faculdade de Direito, no topo dos seus 20 e poucos anos, falava para mim: “véia, pra que isso? Você não precisa.”

Para quem viveu tantos anos sendo extremamente produtiva, aquele questionamento era completamente sem noção. Como é possível vivermos sem buscar produtividade? Era exatamente isso o que eu mais trabalhava com os meus coachees. Ser produtivo é produzir mais resultados com o melhor aproveitamento dos recursos em qualquer aspecto da vida.

Mas, como as grandes lições vêm de onde menos se espera, Jefferson tinha muita razão. E o primeiro ponto que eu tive que questionar era o que realmente eu precisava.

Segundo Charles Eisenstein (em “O mundo mais bonito que nossos corações sabem ser possível”), se mantivermos a nossa estrutura de referência, não será possível fazer as transformações necessárias para um mundo melhor (melhor? Mais bonito? Mais?).

Tempo é dinheiro; ficar parado não é produtivo; acumulação é necessária; tecnologia é necessária para uma vida melhor; ser eternamente jovem; envelhecer produtivamente; ter sucesso. Quantas ideias bombardeadas diariamente nos levando à frustração e exaustão.

A partir de reflexões profundas, ainda estou no meio do caminho. Já decidi que não preciso de mais nada material além do que já tenho. E que agora, para mim, a única abundância que existe é a de tempo. Poder gastar um imenso tempo para fazer algo que me dá prazer e que aparentemente não é produtivo, como levar duas horas e meia para comprar a manteiga de amendoim perfeita para meu filho.

Recebi minha amiga Michelle em Lisboa outro dia, e fizemos um passeio pelas praias e arredores, envolvendo vários trechos de transporte público (metro, comboios e autocarros). Deu tudo muito certo e ela comentou: como fomos produtivas! E rimos muito, pois a tal da produtividade não nos deixou em paz nem no passeio. Já fazendo outro passeio com minha amiga de mais de 20 anos Teresa, conversávamos tanto que erramos o caminho; sentamos calmamente e seguimos conversando enquanto tentávamos nos orientar pelos aplicativos. Perdemos um dos pontos do passeio planejado – e tudo bem. Foi um ótimo dia para estarmos juntas e viver nossa amizade.

Cuidado para o lobo em pele de cordeiro: muitas empresas estão oferecendo programas que aparentemente melhoram a qualidade de vida, mas que na verdade estão preparando os funcionários para aguentarem mais a pressão e produzirem ainda mais, o que pode ter como consequência prejuízos para a sua saúde mental.

Nesse sentido recomendo o ótimo artigo “Como o capitalismo capturou a indústria do mindfulness”.

Já marcou sua conversa sistêmica?

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