Inocentes do Leblon e Banhistas do Reino Unido • Por que as pessoas estão colocando a si e aos outros em risco?

Depois do caso dos “Inocentes do Leblon”, que se repete em outros países com condutas semelhantes,  como nas praias cheias no Reino Unido, tenho tentado elaborar um pensamento sobre os diversos comportamentos das pessoas, após alguns meses de pandemia. Nada é tão simples quanto parece ser nos posts das redes sociais. O que é comum a todos os posts é que todos entendem ter razão e que quem pensa diferente é ignorante ou mau caráter (ou os dois).

Já conversamos anteriormente no texto de maio do blog sobre as motivações para as pessoas aderirem ou não às recomendações de isolamento social. Mas precisamos olhar mais profundamente esta questão.

Nada melhor do que uma tabela com dois eixos para se avaliar uma situação. Escolhi para a minha tabela as seguintes dimensões: capacidade de se proteger no eixo horizontal e capacidade de discernir no eixo vertical.

Capacidade de se proteger tem a ver com poder se isolar. Isso depende principalmente de condições sociais e econômicas. 

Capacidade de discernir tem a ver com o pensamento crítico. Ser capaz de identificar interesses ocultos e falsas notícias, fazer correlações de causa e efeito por conta própria, fugir do sensacionalismo e manipulações ideológicas, sejam quais forem. Ser capaz de formar juízos a partir de dados, fatos e evidências.

Olhando desta forma, podemos separar as pessoas em quatro grupos:


1) Pessoas que conseguem discernir e se proteger

Quando uma pessoa tem a capacidade de discernir e se proteger, ela decide, com base nas evidências, seus valores e recursos pessoais, o quanto de risco ela quer correr, tanto por si como pelos outros. 

Saindo um pouco do cenário da Covid-19, vamos lembrar o que foi a introdução do HIV e o vírus da Hepatite C na nossa vida. Como são doenças que demoram para se manifestar, quando o vírus e sua forma de contaminação foram identificados, já havia muitos infectados. Coube à minha geração decidir se proteger ou não, com o uso de preservativos, seringas descartáveis, luvas em atividades que lidassem com sangue. Pensam que foi sempre que os dentistas usavam máscaras, viseiras e luvas nos atendimentos? Quantas manicures não se infectaram manicurando suas clientes? E vice-versa? Foram muitas esposas infectadas pelos maridos por ser uma relação íntima de aparente confiança. 

Atualmente existem medicamentos para controlar o impacto do HIV e da Hepatite C. E então as pessoas decidem correr mais riscos, pois existem mecanismos de contorno.

O que é diferente na Covid-19? Primeiro, o ciclo de contaminação e aparecimento de sintomas é muito mais curto e o desfecho muito mais rápido, além do processo de contaminação ser muito mais simples do que os outros vírus citados. Porém, já está claro que as mortes são mais frequentes nas populações com menos acesso aos serviços de saúde, que coincidentemente são aquelas com menor resistência imunológica. 

O que faz a pessoa que é capaz de discernir e se proteger, então? Faz uma avaliação dos seus recursos de enfrentamento da doença versus as perdas na sua visão pessoal no caso de ser infectado. E toma sua decisão: #ficaremcasa ou #sairdecasa.

Uma parte dos “Inocentes do Leblon” e dos “Banhistas do Reino Unido” estão na categoria que tem discernimento e decidiu sair de casa e se divertir. 

Interessante é que, como nesse caso ser infectado pode causar morte a outras pessoas, reside o conceito de “dolo eventual”, quando a pessoa assume o risco de causar danos aos outros porque acha que é capaz de manter a situação sob controle. Não esquecer que espalhar agente infeccioso conscientemente é crime tipificado em lei. E aqui, de novo e como em qualquer tipo de crime, a pessoa irá avaliar a chance de vir a ser punida pela conduta.


2) Pessoas que não conseguem discernir, mas conseguem se proteger

Analfabetismo funcional não é privilégio de classe. Quantas pessoas são incapazes de compreender um texto simples? Principalmente quando a capacidade de compreensão está toldada por crenças? Quantas pessoas se deixam levar pelas manchetes das notícias sem ler o seu conteúdo e fazer a própria avaliação?

Essas pessoas que não são capazes de discernir, mas que são capazes de se proteger do vírus pela sua condição social e econômica, seguirão as ações do seu grupo de referência. É o efeito de ressonância de grupo. Aquele que me faz sentir pertencente.

Essas pessoas podem #sairdecasa ou #ficaremcasa, de acordo com seu endogrupo.

Uma outra parte dos “Inocentes do Leblon” e dos “Banhistas do Reino Unido” está nessa categoria: aqueles que não conseguem discernir mas decidem sair de casa seguindo seu grupo de referência.

E não será difícil vê-las reclamando depois e colocando a culpa nos outros, qualquer que seja a atitude ou o resultado, se este for diferente do que o grupo esperava. Essas pessoas não assumem a responsabilidade pelas próprias ações. São sempre “induzidas a erro”.


3) Pessoas que são capazes de discernir e não conseguem se proteger

Como ficam as pessoas que são capazes de discernir, mas, devido às suas condições econômicas ou sociais, não são capazes de se proteger?

Elas não dispõem de condições de moradia adequada, precisam sair para trabalhar para garantir o sustento da família, pegam o transporte público lotado, trabalham em ambientes insalubres.

Estas pessoas estão completamente à mercê das circunstâncias, fazem o que podem, muitas vezes estarão desesperadas e atuando junto às suas comunidades ou, eventualmente, conformadas – afinal não é assim que a vida sempre foi? Não são sempre essas as pessoas que morrem? Que tem a menor expectativa de vida ao nascimento?

E mesmo no momento de lazer, essa pessoa vai pensar se vale a pena #ficaremcasa ou #sairdecasa. Vale a pena ficar em casa quando eu poderia ter um pouco de divertimento se eu preciso sair de casa para garantir o sustento da família? 

Para muitas dessas pessoas, a morte é enfrentada todo dia há muito tempo, no caminho para a escola ou para o trabalho. A Covid-19 é só mais uma maneira de morrer.

Algumas das pessoas presentes aos eventos dos “Inocentes do Leblon” e dos “Banhistas do Reino Unido” estão nessa categoria. São as pessoas que são obrigadas a trabalhar servindo as pessoas que estão se divertindo, sem muitas vezes terem condições mínimas de segurança para trabalhar, desde o transporte até no local de trabalho.


4) Pessoas que não são capazes de discernir e nem de se proteger

Estas são as pessoas que estão completamente sujeitas às circunstâncias.

Sua sorte, que será ruim ou menos ruim, dependerá do seu grupo de referência.

Vejam o caso de Paraisópolis, comunidade brasileira onde o Estado é completamente ausente e com grandes dificuldades econômicas. Por força da ação das lideranças da comunidade, está conseguindo obter melhor resultado no enfrentamento à doença do que a média do município de São Paulo, onde se insere. Um caso de grupo com boa referência.

Com certeza esse grupo de pessoas também está presente nos eventos em questão, também por obrigação de sobrevivência. Provavelmente estão lá sem saber realmente o risco que correm e talvez por isso seu sofrimento seja menos intenso. Afinal é apenas mais um dia de mais do mesmo.


Conclusão

Enquanto permanecemos e propagamos as ideias do nosso endogrupo (aquele grupo com o qual me identifico, entro em ressonância), as transformações serão difíceis e conflituosas.

Teremos que conseguir criar maior ressonância entre os grupos.

Na minha visão, o caminho passa um processo educacional que vise a formação de cidadãos críticos e um esforço de redução das desigualdades sociais e econômicas. Passa também pelo cultivo de valores pessoais que visam o bem de todos e não só o individualismo, valores que nos levem a colaborar mais e competir menos, enfim, valores que reduzam a nossa sensação de sermos separados e criem a sensação de que somos parte de um todo.

Convido a todos para entrar nessa vibração.

Tudo vale a pena se a alma não é pequena

Este texto foi escrito em 2015 como um capítulo para integrar o livro coletivo “Quais de mim você procura”, organizado por Kátia Teixeira. A foto que o ilustra é de 2012, seis anos depois do evento que deu início a esse relato. A foto tirada originalmente na época não existe mais.

Eu me lembro exatamente o momento em que tudo começou. Já aconteceu de você olhar distraidamente para um espelho e não se reconhecer nele?

Um dia a empresa resolveu me enviar para um congresso no exterior. O evento era dali a duas semanas e o meu passaporte estava vencido. Corre para renovar o passaporte.

Tirei uma foto em algum lugar qualquer (não era o sistema atual para fazer o passaporte) e aí veio o choque: quem é essa mulher na foto? Foi nisso que eu me transformei? Uma mulher horrorosa, cabelo horrível, sem nenhuma maquiagem ou cuidado, exalando uma aura de “eu não sou nada”… Era assim que as pessoas me viam? Comprei uma maquiagem básica, ajeitei como pude o cabelo e tirei uma nova foto. Ficou um pouquinho melhor. 

O fato é que aquela foto serviu para me acordar, e como se eu não tivesse espelho em casa, fez com que eu me olhasse de frente. Não devia ser assim. Em que ponto do caminho eu me deixei para trás, junto com minha alegria?

O passaporte ficou pronto, eu fui para o congresso e foi assim que desembarquei para minha primeira visita à Londres. Eram dois dias de evento, mas eu precisava ficar no mínimo cinco dias para que a passagem tivesse uma tarifa decente.

Cheguei em um domingo, na hora do almoço. O congresso era na segunda e terça. Mesmo com pouco tempo, planejei bastante a viagem. Então a primeira coisa planejada não deu certo: meu celular não foi habilitado para ligações no exterior (note-se que essa história tem quase 10 anos…). Gastei quase 50 libras para ligar do hotel para casa para avisar que havia chegado, que estava tudo bem e que eu não ia ligar mais porque era muito caro.

E foi aí que o milagre aconteceu. Fiquei sozinha. Por cinco dias. Cinco dias inteiros. Sem conexão com a família, sem conexão com o trabalho. Sozinha. Para levantar e dormir quando queria. Para ir aonde queria. Comer o que queria. Comprar o que queria. Sem dar nenhuma satisfação a ninguém. Sem ter que negociar nada com ninguém. Sem ter que ceder nada para ninguém. Egoísmo? Liberdade pura! Você com você mesmo. Fui ao teatro, visitei museus, sites históricos, fui a Windsor… Londres é a melhor cidade do mundo. Lá tem tudo o que você gosta em quantidade. Muitos teatros, muitos parques, muitos museus, muitas compras, muita história, séculos de história. E tem a rainha. Não tem como não se apaixonar pela rainha. Esses cinco dias pareceram um mês inteiro de férias para mim. Consegui me desligar completamente das coisas. 

Quando eu voltei, algo muito estranho começou a acontecer. Era como se, a exemplo do que aconteceu com Alice no País das Maravilhas, eu tivesse mudado de tamanho e o espaço que eu tinha disponível não era mais o suficiente para mim.  Eu precisava de mais espaço, o meu espaço. Viajar é mesmo uma das melhores coisas que existem. Eu fui a Londres encontrar… eu mesma!

A primeira coisa que mudou de tamanho foi a família: de quatro pessoas e três cachorros grandes, passou a ser de três pessoas e um cachorrinho. Uma dura realidade que eu tive que enfrentar ao entender que naquele meu novo mundo não era possível carregar mais do que devia sob pena de não sobrar de novo mais nada de mim. Não foi um processo rápido. Demorou dois anos para eu entender o que o tipo de relacionamento que eu tinha significava para minha vida, e mais dois anos para preparar uma boa separação, em que todos fossem preservados e pudessem seguir em frente construindo suas vidas.

A segunda coisa que mudou de tamanho foi a residência. Nós havíamos construído uma boa casa na Serra da Cantareira, com um grande jardim, na qual moramos durante 9 anos. Apesar de ser uma casa deliciosa, o acesso era muito difícil e tudo tinha que ser resolvido de carro, o que causava uma grande restrição. No processo de separação eu decidi sair da casa e vir para São Paulo.

Escolhi um apartamento perto da nova escola das crianças para que eles tivessem independência para ir e vir, e deixei os cachorros grandes na Serra, com o ex-marido. Um novo cachorrinho veio preencher o espaço e a saudade dos grandes. 

Havia um detalhe importante sobre o apartamento: comprei mobiliado, muito bem mobiliado, o que me proporcionou uma mudança quase minimalista. Muita coisa foi doada, vendida, descartada (de forma sustentável), e só veio para a casa nova aquilo que era essencial.

É importante destacar que essas reduções de tamanho nem de longe significaram uma redução de mim mesma. Pelo contrário, a cada tamanho físico que eu ia reduzindo, o meu espaço pessoal e de realização ia crescendo, pelo fato de não ter que arcar com compromissos que pesavam e não contribuíam com meus anseios.

A terceira coisa a mudar de tamanho foi o meu currículo. Com mais tempo e mais dinheiro disponíveis (as coisas ficaram melhor divididas na separação), voltei para o banco da escola para realizar um antigo sonho: estudar Direito. Uma graduação a essa altura da vida! Eu pensava que essa seria a minha carreira na aposentadoria, que estava se aproximando. Talvez um concurso público. Eu nem sequer imaginava o que a vida ainda reservava para mim.

Alguns amigos se foram, outros apareceram, construí e retomei amizades realmente significativas. Ampliei minhas atividades culturais e sociais. Tive vários encontros e desencontros, cada vez mais com a certeza de preservar o meu espaço e a minha identidade.

Mas as coisas não pararam de mudar de tamanho não. Vivendo todas essas transformações, inevitavelmente o processo iria acabar chegando ao trabalho. E chegou o dia, depois de trabalhar 20 anos na mesma empresa, a qual sou extremamente grata por ter me permitido construir tudo o que fiz na vida, que não foi mais possível ter uma relação produtiva para os dois lados, e eu fui “saída”.

Confesso que quando vi o envelope com a minha carta de demissão (era preciso coragem para demitir uma profissional com tanto tempo de casa, resultados e salário alto) tive a mesma sensação de quando peguei a sentença do juiz sobre o divórcio: liberdade enfim! E claro, desafio! E eu lá tenho medo de desafio?

Como já sabia que meu tempo de empresa não duraria muito, já havia iniciado, antes mesmo de sair, um plano de investimento em imóveis, que me traria uma renda importante para o dia-a-dia. Era claro para mim que quando saísse da empresa seria muito difícil uma recolocação no patamar que eu estava, tanto pela idade quanto pelo salário. E eu nem queria mais trabalhar no mundo corporativo daquela forma. 25 anos já bastavam. Foram muitos bons anos, alguns não tão bons assim, mas a minha mudança de tamanho requeria liberdade e autonomia, criação e inovação, e aquele espaço não me permitia isso.

Meu currículo não parou de crescer: em paralelo ao meu curso de Direito, dediquei-me à formação em Coaching e em poucos meses já estava atendendo de forma remunerada. 

Como eu era uma profissional experiente, administradora de formação com uma longa carreira corporativa, rapidamente consegui estabelecer uma boa posição com um plano agressivo.

E claro, essa decisão também resultou em outra redução de tamanho: por mais bem-sucedida que seja essa iniciativa, ela não vai alcançar o patamar de ganhos que eu tinha na carreira corporativa, principalmente em função de todos os benefícios. O orçamento doméstico teve que ser adequado à nova realidade.

Sem problema algum. As adequações foram feitas aos poucos. Tenho um carro de luxo, remanescente dessa época em que o seu poder na corporação também é medido pelo carro que você exibe na garagem. Ele fica a maior parte do tempo na garagem. Fiz uma opção pelo transporte público e só utilizo o carro quando o deslocamento é muito complicado pela rede pública ou quando tenho que transportar coisas e pessoas.

Um dos meus cachorros grandes, uma labradora, a última que restou da casa da Serra, veio morar conosco no apartamento. E a vida me deu uma nova chance de cuidar dela e ter seu amor incondicional.

E o melhor de tudo: encontrei na profissão que escolhi para essa nova fase o verdadeiro sentido para o trabalho que é ajudar as pessoas a se realizarem, a ter uma vida melhor. A esta altura já são centenas de pessoas com quem pude contribuir.

Tenho uma grande quantidade de projetos em andamento, liberdade e autonomia para criar e inovar.

Pode ser que algumas pessoas que me conheceram alta executiva me encontrem andando de ônibus, jeans e tênis, e pensem “coitada, quem te viu e quem te vê”. Elas não sabem que por trás daquela simplicidade está uma alma repleta de felicidade e realização, que encontrou seu propósito no mundo.

Como dizia Fernando Pessoa, “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

A arte cavalheiresca do jogador de Candy Crush

Jogo Candy Crush desde 2013. É o único jogo eletrônico que eu tenho e meus filhos riem muito disso. Sou fiel, dedicada e (acho) não obsessiva. Estou lá pelo nível 2.400…

Tenho um princípio para jogar esse jogo: eu não compro absolutamente nada. Nem vidas, nem jogadas, nem boosters (são doces especiais e com poderes específicos). É possível ir ganhando esses especiais gratuitamente de várias maneiras, mas todas elas são, de alguma forma, prêmios por perseverança.

Isso significa que já joguei alguns níveis quase 200 vezes até vencê-lo. Eu sei que se eu insistir e jogar com atenção, em alguma tentativa, por mais difícil que seja o nível, eu conseguirei.

Para que isso aconteça, uma série de circunstâncias específicas tem que acontecer naquela tentativa. Como o jogo é aleatório em diversos aspectos, uma hora essas circunstâncias aparecem.

E como podemos traçar um paralelo com a nossa vida? Temos controle sobre uma série de coisas, desde a nossa intenção até alguns recursos. Mas não temos domínio sobre outras pessoas e todas as circunstâncias necessárias.

Um exemplo bem atual: eu tinha uma viagem com meu filho marcada para abril deste ano. A viagem incluía um retiro espiritual de 5 dias para mim. Tudo comprado: passagens de avião, trem, retiro, hotéis reservados. E veio a pandemia. E tudo foi cancelado. Eu ainda adiei a viagem para setembro. Provavelmente as circunstâncias também não permitirão. E se permitirem, não sei se quero mais ir.

E no nosso dia a dia? Será que é verdade que o único responsável pelo meu sucesso sou eu mesmo? Não será essa mais uma armadilha para nos desgastar física e emocionalmente?

Pablo Picasso dizia: “Que a inspiração chegue não depende de mim. A única coisa que posso fazer é garantir que ela me encontre trabalhando.”

É muito comum, quando conquistamos algo, dizermos “eu fiz”. E quando não conseguimos, dizermos que algo atrapalhou. Não percebemos, porém, que quando as coisas dão certo é porque esse “algo” colaborou para o sucesso.

O que aprendemos sobre isso tudo? Primeiro, que é preciso perseverar. Depois, que o resultado alcançado não depende apenas de nós. Quando o que trabalhamos para alcançar não acontece, entendemos que não estamos no controle de tudo. Fazemos os ajustes necessários e seguimos em frente. 

O bom exemplo que vem da Suécia no combate à Covid-19

2020 está assistindo a um evento inédito na história das gerações vivas: uma pandemia de proporções inimagináveis (para a imensa maioria das pessoas).

Para lidar com uma situação tão extrema, os países têm adotado estratégias diferentes e, numa época de polarização de opiniões, temos a tendência de classificar essas táticas de forma simplificada e também polarizada: certo e errado. É fato que somente a história poderá dar o seu veredito final sobre isso, ainda que o conceito de certo e errado sejam também uma escolha moral que depende de uma cultura e sociedade. Esta é realmente uma questão que se impõe: quais serão os indicadores-chave para aferir o sucesso de uma estratégia de enfrentamento à Covid-19?

Uma estratégia em especial tem chamado a atenção: o caso da Suécia.

A Suécia é um país com um dos maiores IDHs e nível de desenvolvimento no geral. Um país reconhecido pelas boas práticas de cidadania e qualidade de vida.

O espanto se dá pelo não alinhamento da Suécia ao mainstream ocidental e, por que não dizer, global, de não impor à grande parte da sociedade medidas de isolamento social. Até o momento em que escrevo, a quantidade de mortos pela doença no país é três vezes maior que a de Portugal, nação com número de habitantes semelhante, mas que adotou bem cedo a estratégia de amplo isolamento.

A diferença deste caso para outros países que rechaçaram o isolamento, no entanto, é que, pelo que chega ao mundo pelas notícias, a sociedade sueca parece estar de acordo com este caminho, o que se reflete nas pesquisas de confiança no governo e na gestão da crise, que mantém-se em alta.

O que está por trás desse comportamento tão divergente?

Neste texto trago algumas reflexões a partir de diferentes abordagens. Convidei o amigo Tadeu Kobna, brasileiro residente na Suécia há 5 anos, para trazer a visão de quem está vivendo essa situação de dentro.


O que nos faz adultos?

Será simplesmente um conceito ligado à idade? 

Para ampliarmos o nosso entendimento, vou trazer duas abordagens sobre esse “arquétipo”: o conceito de “funcionamento otimizado” e a “análise transacional”.

Segundo Will Meek (Overfunctioning & Underfunctioning – Washington State University), o funcionamento otimizado pode ser definido como a habilidade de funcionar “bem” no dia a dia. Entre outros aspectos que vamos descrever, inclui a capacidade de cuidar de si mesmo e de sua própria rotina. Uma boa definição para ser adulto, não é?

Segundo esta abordagem, podemos observar o funcionamento de uma pessoa por meio de sete dimensões: 


  1. Autonomia: fazer o que é esperado para uma pessoa em determinada idade ou função. O ser humano demora muit tempo para se tornar autônomo, diferentemente de outros animais. Mesmo assim é esperado um determinado nível de autonomia para cada idade. Não se espera que um bebê amarre seus sapatos, mas uma criança de 10 anos tem que ser capaz de fazê-lo. Tudo isso baseia-se num conceito de normalidade que é estatístico. A curva normal indica que a maior parte das observações de um evento se encontram em torno de um resultado. Isso não quer dizer que algo é bom ou ruim, certo ou errado. Apenas que é costumeiro. Quando algo é fora do costumeiro, para mais ou menos, chama a nossa atenção para entender o que acontece. Depois de uma certa idade, quando nos tornamos “adultos”, o fator idade deixa de ter tanta importância e a autonomia se mostra na nossa capacidade de realizar algumas funções, no trabalho, em casa, nos relacionamentos etc.
  2. Responsabilidade: assumir a responsabilidade pelas próprias decisões e ações, sem imputar a outras pessoas.
  3. Tomada de decisão: capacidade de tomar decisões por critério pessoal. Não deixar que outras pessoas tomem a decisão por si.
  4. Resolução de problemas: face aos obstáculos, a capacidade de analisar a situação, entender os recursos disponíveis e riscos envolvidos, elaborar uma estratégia de ação e agir.
  5. Gestão de tempo: fazer as escolhas de como administrar seu tempo, não deixando aos outros a determinação do que fazer com esse recurso único e fundamental que possuímos.
  6. Gestão de stress: frente a situações que geram stress, saber retornar ao estado de equilíbrio (resiliência).
  7. Vivenciar personas adequadamente: para cada situação devemos utilizar uma persona adequada. Não é possível ser pai dos funcionários, nem chefe dos filhos.

Essas sete dimensões nos dão um “guia” para apurar em que grau uma pessoa está em funcionamento otimizado. Basta dar uma nota de 0 a 10 a cada fator e teremos uma ideia de quanto uma pessoa é “adulta”.

Já a análise transacional de Eric Berne nos fala sobre “estados de ego”. Esta abordagem mostra que o nosso ego, essa persona que construímos para lidar com o mundo que nos cerca, “passeia” várias vezes por dia por “estados de ego” diferentes: de pai, de adulto e de criança.


O que podemos falar resumidamente sobre estes três estados?

O estado de ego pai, que pode ser autoritário ou protetor, mostra-se principalmente quando estamos lidando com pessoas que, pelo menos aparentemente, entendemos serem “menores” do que nós: filhos, funcionários, empregados, atendentes de serviços em geral. A forma como nos dirigimos e nos relacionamentos com estas pessoas pode se revestir de uma característica protetora ou autoritária, que reflete a forma como aprendemos sobre essas relações com as figuras de autoridade da nossa infância: pais, professores, cuidadores etc.

Já o estado de ego criança aparece frequentemente quando enfrentamos uma situação fora das nossas expectativas. E se mostra como criança rebelde, criança submissa ou uma criança livre, curiosa e aprendiz. De novo, a forma como lidamos com as frustrações refletem as nossas experiências enquanto crianças.

E como será que se comporta o estado de ego adulto? Bem, o adulto é adulto e só, sem nenhum outro complemento. O adulto é aquele que, frente a uma situação da realidade objetiva, é capaz de filtrar as mensagens enviadas pelo estado de ego pai e estado de ego criança, limpar essas interferências e agir de forma consciente e presente frente à situação – alinhado às 7 dimensões da abordagem de Meek, podemos acrescentar. 

Alcançar o estado de ego adulto é um exercício de observação, determinação e decisão constantes. O verdadeiro processo de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal.

Unindo essas duas abordagens, do funcionamento otimizado e da análise transacional, o que podemos pensar sobre como estamos agindo frente à pandemia, individualmente e como nações?


O contrato social e as liberdades individuais

O que está em jogo nas diferentes estratégias abordadas pelas diferentes nações no enfrentamento à pandemia?

Remonto à ideia de “contrato social”, conforme concebido por Hobbes e Locke no século XVII. Embora as duas abordagens tenham seus pontos de divergência, eles trouxeram no geral a ideia de que, enquanto indivíduos, abrimos mão de fazer justiça com as próprias mãos (o “cada um por si”), transferindo ao Estado essas ações em troca de proteção contra a “morte violenta”. 

Esse pensamento é embrionário para  o nascimento dos Estados Nacionais, que encerraram o longo ciclo das monarquias absolutistas, processo que se consolidou no século XIX.

Um contrato reza sobre direitos e deveres. É uma manifestação de vontade entre as partes.

A troca de liberdades por proteção é algo muito antigo. A organização feudal, com suas relações de suserania e vassalagem, é um exemplo dessa prática, que é ainda muito mais antiga do que isso.

Nesse mesmo contexto medieval,, a Carta Magna de 1215, estabelece um regramento do que podia ou não podia o governo, assinada depois do Rei João da Inglaterra ter violado um número de leis antigas e costumes pelos quais Inglaterra tinha sido governada.

O artigo 5º da Constituição Brasileira descreve as liberdades fundamentais do cidadão, que o Estado tem que respeitar. Os deveres do Estado também estão na Constituição. É o grande contrato nacional. 

O estado de sítio, de emergência, de calamidade, de guerra, são todos estados de exceção que o governo pode declarar, dentro dos ritos formais, que, de alguma forma, restringem direitos fundamentais do cidadão em prol de uma situação extrema, visando o bem comum.

Para dar uma dimensão, a pena de morte – que não existe no ordenamento jurídico brasileiro – é permitida em estado de guerra. 

As medidas encontradas pela maior parte das nações do mundo para o combate à pandemia passa por uma série de restrições de liberdades fundamentais, visando o bem maior. Mas no geral, internamente aos países, não há consenso na população sobre se as restrições são devidas. Existem grupos pró e contra toda estratégia, cada um alegando suas razões. 

Cabe aqui uma nota de que, no Brasil, a questão é ainda mais crítica porque não existe um consenso entre as diferentes esferas de governo (federal, estadual e municipal) e o país é muito extenso e diverso. Em Portugal, onde existe um alinhamento grande entre as esferas, além de sintonia na maior parte dos aspectos entre situação e oposição, as coisas fluem muito mais facilmente. 

Vários países que sofreram muitas mortes em função da situação e tiveram grandes restrições às suas liberdades, no momento em que a situação aparentemente começa a estar sob controle, começam a ver protestos para que as liberdades sejam restauradas mais rapidamente. Existe mesmo um receio, não sem razão, de que uma nova normalidade com menos direitos seja justificada desta forma. 

Como então todas essas questões aparecem no caso único do país escandinavo que é tema deste texto?


Uma visão de quem mora na Suécia

Eu, Tadeu Kobna, músico e produtor cultural, brasileiro residente na Suécia há quase 5 anos, tentarei relatar um pouco da experiência que estou vivendo aqui na Escandinávia durante estes tempos de Corona.

Acredito ser necessário descrever um pouco da minha rotina e não generalizar, pois minhas atividades são bem diferentes das do cidadão que trabalha com horários fixos ou mesmo no fronte essencial ou secundário de serviços.

Eu trabalho no setor cultural e este foi o primeiro a ser suspenso; produção de eventos de médio e grande porte, concertos e festivais foram todos cancelados até segunda ordem. Inicialmente aqui na Suécia não havia número limite para reuniões de pessoas. Só no final de março o governo anunciou a limitação, que até agora não permite aglomerações de mais de 50 pessoas, seguido de distanciamento social.

Para citar um exemplo significativo, o Valborg, evento que reúne centena de milhares de jovens que é uma das maiores tradições daqui,  teve um destino curioso este ano. Em Gotemburgo, as autoridades recorreram a uma estratégia no mínimo hilária ao perceber que os preparativos para a festa estavam ocorrendo “disfarçadamente”. O serviço que cuida dos parques foi acionado e um dia antes do encontro a administração do parque borrifou esterco de galinha nos gramados onde as aglomerações aconteceriam. Ninguém se arriscou a acampar ou mesmo se sentar no gramado para tomar uma cervejinha.

Escolas para crianças de 12 anos continuam abertas, minha esposa (que é sueca) continua trabalhando, os ambientes que ainda frequento estão todos de uma forma ou de outra atendendo às sugestões de distanciamento. Mas não há lockdown formal, proibição ou ameaças de multa. Enfim, ao meu ver, o cidadão sueco (e eu diria nórdico) já tem uma predisposição ao distanciamento).

Devo confessar que, aos olhos de um brasileiro, a relação entre governo e população comum ainda me soa um pouco surreal. O governo confia no bom senso das pessoas e os suecos confiam nas decisões do governo. Neste caso específico (eu normalmente não acompanho política local), posso dizer que parte da confiança no Ministério da Saúde e suas decisões vem do fato de que a equipe é formada por médicos e pesquisadores com larga experiência teórica e prática em casos de epidemiologia pela África, Oriente Médio e Ásia. Depois de ler o CV do Dr. Tagnell (epidemiologista estatal da agência de saúde pública sueca), até eu fiquei mais tranquilo. Se os resultados serão melhores ou piores do que os de outros países, ainda não sabemos. O que consigo acompanhar no momento, por meio de amigos que estão vivendo esta experiência em diversos locais do globo, é que existe uma tensão e angústia em torno do desconfinamento, e isto acho que não sofreremos na Suécia.

Aqui eu não noto falta de materiais de higiene, local público disponibiliza álcool em gel e luvas de borracha, e algumas pessoas fazem uso de máscaras – eu diria uns 20%. Ontem mesmo fiz uso de transporte público e achei interessante que os ônibus estão circulando com as portas da frente fechadas e não cobrando pelo serviço (o objetivo é evitar o contato do passageiro com o motorista). Já no metrô o movimento caiu uns 70%.

Gostaria de dizer que já passei por um processo que me obrigou a me “reinventar” quando, no início de 2000, vi a indústria na qual eu concentrava 100% das minhas atividades, a fonográfica, se esfacelar diante dos meus olhos. Hoje, durante essa pandemia, eu vejo milhares de indústrias entrarem em “processo de transformação forçada”, só que com a complicação adicional que é a disrupção pandêmica. Ainda não sei como a Suécia vai se sair desse teste, o que posso dizer é que aqui a tecnologia está avançando 5 anos em cinco meses. O processo de tecnificação que se instala a fim de substituir várias atividades é incrível. 


Conclusão

Fui professora da disciplina de Gestão de Riscos Corporativos no MBA em Gestão da Segurança Empresarial oferecido pelo Prof. Dr. Antônio Brasiliano e gestora de riscos da Tecnologia Bancária S/A, empresa que administra o Banco24Horas no Brasil.

Em ambas as situações, sempre tive muito respeito pela incerteza. Por mais modelos estatísticos que tenhamos, a realidade costumeiramente nos mostra o poder que existe nas casas infinitesimais de uma probabilidade, até porque os modelos se baseiam no nosso conhecimento, que não é total sobre nada.

Temos visto muitas informações e orientações mudarem no decorrer desta crise. Sobre os efeitos do vírus, sua natureza, medicamentos, protocolos de tratamento, protocolos de isolamento. E essa falta de certeza faz com que segmentos da população, ora um, ora outro, se revoltem contra decisões de seus governos.

Minha máxima enquanto gestora de riscos sempre foi: risco bem gerido é risco compartilhado. Assim todos assumem a responsabilidade pelo resultado das decisões tomadas.

Este é o caso da Suécia. Um caso de sucesso, que independe de quantas pessoas irão morrer ou se a economia irá se recompor. É uma decisão e responsabilidade coletiva, e nisso reside a maturidade de uma nação. Sejamos adultos.

Alguém aí está preparado para morrer agora?

Quem fez essa pergunta foi a Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes no seu TEDx de 2012 – A morte é um dia que vale a pena ser vivido.

Ela também brinca com a plateia quando diz, sobre esse tema tão difícil para nós: “Vamos combinar que todo mundo aqui sabe que vai morrer um dia, ou isso é novidade para alguém?”.

Essa imagem de “todo mundo vai morrer um dia” normalmente vem acompanhada no nosso pensamento de “not today satan, not today”.

Mas em época de Covid-19, a possibilidade de morrer hoje, de repente, parece mais real. Quem está preparado para isso?

A morte em tempos de Covid-19 é solitária. Quem for hospitalizado e vier a falecer, provavelmente verá os seus pela última vez no momento da hospitalização.

Negar a possibilidade de morrer (o que não quer dizer que não devamos colocar todos os nossos esforços e intenções na preservação da vida) não vai mudar o que tiver que acontecer. Não adianta fugir para Samarra, como no conto de John O’Hara:


Certa vez um mercador de Bagdá mandou seu servo ao mercado comprar provisões.

Pouco depois, o servo voltou, branco e trêmulo. Disse: “Mestre, agora mesmo, quando estava no mercado, fui empurrado por uma mulher no meio da multidão e ao me virar vi que fora a Morte quem me empurrara. Ela me olhou e fez um gesto ameaçador. Agora me empreste o seu cavalo, vou cavalgar para bem longe desta cidade, a fim de evitar meu destino. Irei a Samarra, lá a Morte certamente não me encontrará”.

O mercador emprestou-lhe seu cavalo. O servo montou, enfiou as esporas nos flancos do animal e, tão rápido quanto este conseguia galopar, se foi.

Então o mercador foi até o mercado, viu a morte em pé no meio da multidão, seguiu até ela e disse: “Por que você fez um gesto ameaçador para o meu servo, quando o viu pela manhã?”

“Não fiz nenhum gesto ameaçador”, respondeu a morte, “foi uma reação de pura surpresa. Fiquei atônita ao vê-lo, aqui, em Bagdá, já que tenho um encontro marcado com ele esta noite, em Samarra”.

(Conto-Versão de Somerset Maugham para “Encontro em Samarra” de John O’Hara).


Vou contar aqui o que fiz quando percebi que de repente eu poderia ir embora, mais rápido do que imaginava (em outro texto do blog já disse que imaginava viver até os 100 anos).

Preparei um documento para meus filhos, com todas as providências que eles precisarão tomar em caso do meu falecimento. Meu pai fez isso. Quando ele morreu, havia uma página com uns 10 itens manuscritos sobre providências que deveríamos tomar. A maior parte delas nós já havíamos conversado a respeito. Ele morreu com quase 87 anos, vítima de um câncer de próstata. Há muito que ele já se preparava e, exatamente por isso, só havia uma folha. Ele nos preparou para este momento, e sou grata por isso.

O meu documento, por sua vez, tem 10 páginas digitadas. Em verdade são dois documentos, cada um com 10 páginas. Um deles para as questões ligadas ao inventário, o outro sobre a gestão da empresa.

Minha ideia inicial era, na iminência de uma hospitalização, enviar o documento aos meus filhos. Não queria fazer isso antes, para que não ficassem ansiosos. Mas o processo de produzir os documentos foi muito bom para mim. Colocar os termos “corpo”, “óbito”, “agência funerária” assim escritos, foi libertador. Ao ir para o papel, saiu da minha cabeça.

Conversei com os meus filhos e ambos entenderam o propósito e, sem ansiedade, fizemos uma reunião online para explicação do conteúdo. Eles ainda são jovens adultos, não têm ideia de como muitas coisas funcionam (cá entre nós, tem muitos adultos que não entenderiam uma boa parte do que coloquei ali; a vida é muito complexa). Foi uma ótima leitura. O documento está agora compartilhado entre nós, e será atualizado à medida em que o tempo passe. De novo, estando no papel, saiu das cabeças. Claro que também foi uma oportunidade de eu perceber a complexidade da minha vida, e a necessidade de simplificar as coisas. Trabalho em andamento.

Também estou treinando meu sócio na empresa a fazer todos os procedimentos na minha ausência. Mais um movimento libertador.

E essa foi a minha constatação final: meu corpo pode não estar mais aqui, mas a vida segue. Assim é o ciclo da vida.

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Por trás do filme A Casa (ou por que construímos personas impossíveis e nos deixamos definir por elas)

A produção espanhola da Netflix “A Casa” (Hogar, 2019) traz aspectos sobre os quais eu particularmente gosto de conversar: idade, carreira, persona.

O site omelete  faz um bom resumo da trama: “Javier Muñoz (Javier Gutierrez) é um publicitário de renome em Barcelona que está há meses desempregado e enfrenta dificuldades para se reestabelecer no mercado de trabalho. Acostumado com o sucesso anteriormente, Javier se vê substituído por jovens com ideias mais disruptivas para as empresas e sem a promessa de que algo mude em um futuro próximo. Ciente disso, Marga (Ruth Díaz), sua esposa, toma a decisão que o marido vinha postergando: é necessária uma mudança completa para que a família sobreviva. A contragosto, o casal deixa o apartamento luxuoso que tinha como residência e se muda para outro em uma área mais simples da cidade”.

Há muito que a nossa sociedade investe no prolongamento da vida. Cuidados com a saúde física, medicina, suplementos, vitaminas. Junto com o prolongamento da vida, um incentivo à eterna juventude. Tratamentos estéticos, cirurgias plásticas, cosméticos, hormônios. A expectativa de vida mundial passou de pouco mais de 50 anos em 1960 para mais de 70 anos em 2020.

Quando fiz 50 anos, entendi que estava provavelmente na metade da minha vida (se algo mais grave não a interrompesse). Decidi então fazer um tratamento ortodôntico novamente (já tinha feito quando adolescente) porque achei que valia a pena pelo tempo de vida que ainda teria.

A nossa sociedade ocidental nos cobra sermos ativos, lindos e produtivos no que antes era chamado de terceira idade. E mais: sempre com mais sucesso e dinheiro.

E assim vamos construindo essa persona que vive neste mundo, impossível de ser mantida, de tão antinatural que é. E aí acreditamos que essa persona somos nós, que ela nos define.

No filme, a persona do publicitário Javier é a sua casa, o carro, a família bonita, o trabalho de sucesso. Na impossibilidade de manter essa identidade, em vez de se relacionar com a realidade e fazer as adaptações necessárias, busca a solução de uma forma artificial (não vou dar spoilers, afinal esse é o mote do filme).

Isso me faz lembrar o caso de um executivo do Rio de Janeiro, em 2016. Depois de ter deixado um cargo em uma grande empresa para se juntar a um novo empreendimento, não conseguiu contratar um convênio médico para a esposa, que sofria de uma doença pré-existente grave. Na nova empresa, achou que estava perdendo poder e poderia ser dispensado, e não conseguiria prover à família aquilo que se esperava dele. Qual foi a sua solução: matou a esposa e se jogou da janela abraçado aos dois filhos. Sobre o caso, as pessoas dizem que ele estava doente. E eu pergunto: o que foi que o adoeceu?

A época em que vivemos, de uma pandemia de dimensões inéditas para a história recente, é um convite a olharmos para aquilo que é realmente importante. Um convite a aproveitar o que a vida apresenta em cada momento. Afinal, como diz uma famosa fábula de Nasrudin, ambos, os bons e os maus momentos, passarão. 

Se depois de ver o filme quiser conversar sobre isso, é só marcar a sua conversa sistêmica gratuita.  

Ser produtivo é bom? Para quem?

Tive uma carreira corporativa de sucesso. Graças a ela e à boa empresa em que trabalhei por 21 anos, consegui construir um patrimônio e cuidar bem da minha família.

Aos 49 anos, fui demitida e decidi não voltar ao mercado, dando início à minha carreira em coaching. Com toda a minha experiência, plano estratégico, marketing e vendas na mão, em pouquíssimo tempo já estava fazendo cerca de oito atendimentos por dia, numa rotina profissional até mais desgastante do que a anterior, pois cada atendimento exige 100% de atenção, sem qualquer descanso.

Meu querido amigo Jefferson, colega na faculdade de Direito, no topo dos seus 20 e poucos anos, falava para mim: “véia, pra que isso? Você não precisa.”

Para quem viveu tantos anos sendo extremamente produtiva, aquele questionamento era completamente sem noção. Como é possível vivermos sem buscar produtividade? Era exatamente isso o que eu mais trabalhava com os meus coachees. Ser produtivo é produzir mais resultados com o melhor aproveitamento dos recursos em qualquer aspecto da vida.

Mas, como as grandes lições vêm de onde menos se espera, Jefferson tinha muita razão. E o primeiro ponto que eu tive que questionar era o que realmente eu precisava.

Segundo Charles Eisenstein (em “O mundo mais bonito que nossos corações sabem ser possível”), se mantivermos a nossa estrutura de referência, não será possível fazer as transformações necessárias para um mundo melhor (melhor? Mais bonito? Mais?).

Tempo é dinheiro; ficar parado não é produtivo; acumulação é necessária; tecnologia é necessária para uma vida melhor; ser eternamente jovem; envelhecer produtivamente; ter sucesso. Quantas ideias bombardeadas diariamente nos levando à frustração e exaustão.

A partir de reflexões profundas, ainda estou no meio do caminho. Já decidi que não preciso de mais nada material além do que já tenho. E que agora, para mim, a única abundância que existe é a de tempo. Poder gastar um imenso tempo para fazer algo que me dá prazer e que aparentemente não é produtivo, como levar duas horas e meia para comprar a manteiga de amendoim perfeita para meu filho.

Recebi minha amiga Michelle em Lisboa outro dia, e fizemos um passeio pelas praias e arredores, envolvendo vários trechos de transporte público (metro, comboios e autocarros). Deu tudo muito certo e ela comentou: como fomos produtivas! E rimos muito, pois a tal da produtividade não nos deixou em paz nem no passeio. Já fazendo outro passeio com minha amiga de mais de 20 anos Teresa, conversávamos tanto que erramos o caminho; sentamos calmamente e seguimos conversando enquanto tentávamos nos orientar pelos aplicativos. Perdemos um dos pontos do passeio planejado – e tudo bem. Foi um ótimo dia para estarmos juntas e viver nossa amizade.

Cuidado para o lobo em pele de cordeiro: muitas empresas estão oferecendo programas que aparentemente melhoram a qualidade de vida, mas que na verdade estão preparando os funcionários para aguentarem mais a pressão e produzirem ainda mais, o que pode ter como consequência prejuízos para a sua saúde mental.

Nesse sentido recomendo o ótimo artigo “Como o capitalismo capturou a indústria do mindfulness”.

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Coco Mademoiselle Chanel e a história de como um perfume pode salvar o dia

“Subsunção” é um termo do Direito que significa a aplicação da norma ao caso concreto, ou seja, quando trazemos do conceito para a realidade. Essa ação não é trivial. Muitas vezes estamos frente a um caso e precisamos decidir do que se trata para buscar no ordenamento jurídico aquilo que é cabível aplicar.

De uma forma geral, gosto de apresentar situações do cotidiano ou de filmes para explicar conceitos mais detalhadamente e trazê-los para o mundo real do dia-a-dia. Voltando ao filme “Privacidade Hackeada” (2019) que já foi tema em outro post – Privacidade Hackeada e o triângulo da ética – vou falar novamente da figura para mim mais fascinante de toda a história: Brittany Kaiser.

Em um momento do filme ela está muito nervosa, empreendendo quase uma fuga. Nessa hora, ela pega o seu perfume Coco Mademoiselle Chanel, aplica em si mesma e diz: “Coco Mademoiselle me faz sentir melhor.”

HÁ!

Minha curiosidade aromaterapêutica foi imediatamente ativada: o que será que Coco Mademoiselle tem para ter esse efeito?

Já expliquei no post “Estabelecendo uma espiral positiva de emoções” como o aroma funciona para esse aspecto: quando respiramos profundamente um óleo essencial, a fragrância natural é processada no sistema olfativo do cérebro através do nervo olfativo. O sistema olfativo conecta-se ao sistema límbico do cérebro, onde as emoções e as memórias (individuais e coletivas) vivem, o que cria uma resposta emocional.

Pesquisado a composição do perfume, encontrei que ele têm “notas de topo de bergamota e laranja; um coração de jasmim e ‘pétalas de rosa da manhã‘; e uma base de patchouli, vetiver, baunilha e almíscar branco.”

Corri no meu app Modern Essential Plus para pesquisar a influência aromática de cada um desses óleos essenciais:

Bergamota: Alívio da ansiedade, depressão, stress e tensão. É refrescante e inspirador.

Laranja: Calmante e inspirador para corpo e mente

Jasmim: É muito inspirador para as emoções e pode ajudar a aumentar a intuição e sabedoria. Também pode ajudar a promover relações inspiradoras e poderosas.

Rosa: Estimula e eleva a mente, criando um sentimento de bem-estar.

Vetiver: Alívio do stress e suporte na recuperação de choque e traumas emocionais; tranquilizante natural, induz a um sono reparador.

Patchouli: sedativo, calmante e relaxante, ajuda a reduzir a ansiedade. 

Bem, já deu para entender por que Coco Mademoiselle Chanel tem esse efeito sobre Brittany e é um dos mais queridos perfumes da atualidade, certo?

O meu creme hidratante favorito é o Karma, da Lush. E ele contém o que? Laranja, patchouli e pinheiro (cria o sentimento de segurança e aterramento).

Qual o seu aroma favorito? Quer descobrir por quê? Já conhece o poder dos óleos essenciais para sua saúde e emoções?

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Estabelecendo uma espiral positiva de emoções


Em uma sessão de coaching em setembro de 2018 eu conversava com uma coachee sobre como estabelecer uma espiral positiva de emoções. A maneira mais fácil de entender o que é uma espiral positiva de emoções é olhar para o que é uma espiral negativa de emoções.

Eu sempre insisto nesse ponto: OS FATOS SÃO NEUTROS. Eles adquirem significado apenas quando pensamos sobre eles e, de acordo com o nosso modelo mental ou modelo de mundo (e também com todo o nosso mecanismo inconsciente), teremos um sentimento sobre esse fato que desencadeia numa ação.

Algumas pessoas, a partir de um fato, iniciam uma espiral de pensamentos negativos que vão gerando uma espiral de sentimentos negativos e prováveis ações negativas (para a própria pessoa). E isso muitas vezes é simplesmente um costume. É o caminho que o seu cérebro estabeleceu para lidar com essas situações.

Como podemos fazer para o cérebro parar de usar esse caminho e começar a abrir um outro mais positivo?

Em primeiro lugar é preciso entrar em estado de atenção para perceber que se está entrando no caminho errado. E aí parar. Parar e pensar: por que estou pensando assim? Existe outra forma de pensar mais positiva? Não se trata de se enganar, mas de ver alternativas e eventualmente até a inutilidade daquele tipo de pensamento. Aos poucos, com essa prática, vamos estabelecendo uma nova forma de lidar com as situações e parando de entrar em espiral negativa.

Não é um trabalho fácil. Exige muita atenção e disciplina.

Aí terminei a sessão de coaching e à noite fui assistir à uma palestra sobre “óleos essenciais e as emoções”. Qual não foi a minha surpresa ao assistir o palestrante falar especificamente em estabelecer uma espiral positiva de emoções. Ele explicou o mecanismo do surgimento das emoções exatamente como eu havia feito de manhã (o que gerou, claro, identificação e credibilidade imediata – rs).

Porém ele estava trazendo um novo caminho para a reversão destes estados emocionais, e curiosamente não passava pelo trabalho árduo e disciplinado. O caminho era por meio do AROMA! Ele mostrou que ao sentir um determinado aroma, os nossos terminais olfativos levam a informação diretamente ao cérebro e despertam MEMÓRIAS AFETIVAS, individuais ou coletivas, que IMEDIATAMENTE, sem qualquer mediação do pensamento, nos jogam para estados emocionais (positivos ou negativos).

Pensem em alguém com o queixo literalmente caído. Euzinha. E foi assim que a aromaterapia entrou para a minha vida, como apoio ao processo de transformação em programas de coaching e constelações sistêmicas. Sair de um estado emocional negativo é muito difícil. Existe uma inércia enorme no início. Entendi que a aromaterapia pode ajudar esse trabalho consciente, levando a pessoa para esses estados emocionais com maior facilidade. Nesse sentido, entendo a aromaterapia como auxiliar no processo.

Responde aí para mim: qual cheiro para você remete à alegria?

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